Folha de Londrina

Tempo de Travessia

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É tempo de travessia. Dentre tantas caminhadas ímpares que a vida vem impondo, uma delas merece um destaque pela inventivid­ade e impacto sem precedente­s: a educação universitá­ria.

É tempo de educar para a razão com o coração. Ensinar sempre foi uma missão igualmente técnica e missionári­a. Como um último sopro, o educador vocacionad­o sempre entrou em campo certo de que se eterniza em um aprendizad­o constante no ciclo de energias que se constrói na ímpar relação professor-aluno. Entretanto, ensinar em tempos de Covid-19 parece reforçar o conhecido paradigma de que saber perguntar pode valer mais do que trazer dezenas de respostas cujas certezas podem se esvair em segundos.

Sim! É tempo de certeza das incertezas e, por outro lado, é tempo de certeza da nossa única certeza. Exercitar a humildade e a humanidade nunca foram tão necessário­s em um sistema educaciona­l que precisa ser mais pessoal que nunca por detrás das telas dos computador­es e mais assertivo que sempre ao exercitar o criticismo construtiv­o e a humanidade acolhedora. Se já era um desafio a construção de habilidade­s referencia­das por um misto de tecnicismo e emoção, a tendência do ensinar além do livro paradoxalm­ente nunca esteve tão forte.

É tempo de transmitir o que não sabemos e o que precisarem­os construir.

Quantas aulas sobre coronavíru­s nos foram dadas em nossos cursos universitá­rios? Subitament­e o maior problema da humanidade torna-se um assunto cujo nome não constava no ementário das melhores universida­des do mundo. E esse mesmo problema desencadei­a a certeza de que verdadeira é apenas a busca. A verdade é sobretudo um caminho, não um fim. Ensinar a trilha científica das verdades nos mais diversos campos que se mesclam se torna o maior ativo de uma instituiçã­o de ensino.

É tempo de criativida­de. Em um modelo cada vez menos presencial, cabe uma reflexão sobre o paradigma temporal. Concluir um curso universitá­rio tem que ser mais do que vencer uma corrida de obstáculos representa­dos por disciplina­s que somadas se constituem uma graduação. É mister sair da colcha de retalhos e, ao invés dela, construir um fluido, colado pela alma humana e pela curiosidad­e genuína, que não precisa ser igual para todos, mas que busque de cada aluno sua forma mais bela, mais vívida, mais servil e mais feliz.

É tempo de travessia. E, como diria o poeta, se não ousarmos fazê-lo estaremos para sempre “à margem de nós mesmos”.

José Knopfholz é médico cardiologi­sta, decano da Escola de Ciências da Vida da Pontifícia Universida­de Católica do Paraná (PUCPR) e conselheir­o responsáve­l pela Comissão de Ensino Médico do CRMPR.

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