Folha de Londrina

Carlos Eduardo Lourenço Jorge fala sobre a morte de Ennio Morricone, autor de inesquecív­eis trilhas sonoras

O mundo se despede do lendário gênio italiano, autor de tantas trilhas sonoras inesquecív­eis, cuja música também era feita de silêncio

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge

Aos 91, morreu em Roma, nesta segunda-feira (6), o compositor e artesão prodigioso, refinado e popular a um só tempo, um dos raros que fizeram da música para cinema um gênero em si, capaz de sobreviver à imagem para se fixar no imaginário de toda uma época. Foi um dos poucos gênios italianos que se convertera­m em lenda de Hollywood sem jamais ter se mudado para os Estados Unidos. É uma perda tão grande para os conterrâne­os como para os cinéfilos de todas as partes, a deste talento que se converteu num dos compositor­es de música para cinema mais prestigios­os de seu tempo. Sua intuição melódica – para a qual utilizou com frequência a voz humana – e a maestria orquestral postas à serviço da imagem e do clima expressivo dos filmes o distinguir­am em um tempo de grandiosas relações entre som e imagem.

As trilhas com toques operístico­s que fez para os western spaghetti dirigidos por Sergio Leone (colegas no curso primário) foram uma colaboraçã­o fecunda e bem sucedida (a famosa “trilogia do dólar” e a “trilogia do tempo”: “Era uma Vez no Oeste”, “Era uma Vez a Revolução e “Era uma Vez na América” – décadas de 1960, 70 e 80), e o tornaram um cineasta idolatrado pelo grande público. Esta simbiose é comparável àquela entre Fellini e Nino Rota e, em outros registros expressivo­s, Hitchcock e Bernard Herrmann, Spielberg e John Williams, Blake Edward e Henry Mancini.

Mas além das empoeirada­s e explosivas façanhas dos pistoleiro­s de Leone, a música de Morricone comentou o libelo anticoloni­alista de “A Batalha de Argel (66), de Gillo Pontecorvo e as andanças do comediante Toto em “Gaviões e Passarinho­s (66, de Pasolini. Ao longo de seis décadas e quase 500 partituras, ele também compôs para outros cineastas de capital importânci­a para além do entretenim­ento: Elio Petri (“Investigaç­ão Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”,70), Giuliano Montaldo (“Sacco e Vanzetti”, 71), Bernardo Bertolucci (“Novecento”, 76), Terence Malick (“Cinzas no Paraíso”, 78), Roland Joffé (“A Missão”, 86), “Os Intocáveis”,97), e Mike Nichols (“Wolf”, 94).

É praticamen­te impossível afirmar qual de suas trilhas tenha merecido e obtido a preferênci­a unânime do grande público, mas com certeza a trilogia com Clint Eastwood nos anos 1960, e as partituras para os filmes de Giuseppe Tornatore estão entre as mais apreciadas. Indicado cinco vezes ao Oscar, ganhou uma estatueta honorária em 2007 e outra em 2016 por “Os Oito Odiados”, de Tarantino. Prêmio bizarro, já que esta é uma trilha pouco ou nada notável, perto de suas inúmeras obrasprima­s. Nas outras indicações, a Academia desprezou “Malena”, “Bugsy” e absurdamen­te “Os Intocáveis” e “Cinema Paradiso”, ambas primorosas.

No livro-entrevista do cineasta e grande amigo Giuseppe Tornatore, o compositor reconheceu: “Bach e Stravinski são os polos determinan­tes em minha formação. Mas se há um segredo em minhas partituras é o papel do silêncio. Silêncio é música, pelo menos tanto quanto sons, talvez mais. Se você quer entrar no coração da minha música, fique atento aos intervalos, escute os vazios, ouça as pausas”.

Trilhas que ele fez para os western spaghetti tem toques operístico­s

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Reprodução ‘Cinema Paradiso”: filme tem a trilha inesquecív­el de Ennio Morricone
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