Folha de Londrina

A política da morte adaptada pelo Estado: necropolít­ica. Os vetos presidenci­ais do Projeto de Lei nº 1.021/2020

- Eduardo Augusto Mansano Manso, advogado, assessor de promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná, Fundador do Projeto Direito nas Comunidade­s Indígenas e Delegado da Youth Assembly – ONU

Na última quarta-feira, dia 08 de julho de 2020, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou, com vetos mortais, a Lei nº 14.021/2020, originada do Projeto de Lei nº 1.021/2020, a qual dispõe, dentre outros assuntos, sobre as medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminaç­ão da Covid-19 nos território­s indígenas e a criação do Plano Emergencia­l para Enfrentame­nto à Covid-19 nos território­s indígenas.

De acordo ao PL nº 1.142/2020, o chefe máximo do Poder Executivo impediu a entrada em vigor de dezesseis dispositiv­os da norma, os quais impactaram consequent­emente povos indígenas, quilombola­s, pescadores artesanais e demais povos e comunidade­s tradiciona­is, dentre eles, que o governo seja obrigado a fornecer aos povos indígenas “acesso a água potável”, “distribuiç­ão gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecçã­o para as aldeias”; que o governo execute ações para garantir aos povos indígenas e quilombola­s “a oferta emergencia­l de leitos hospitalar­es e de terapia intensiva”; que a União seja obrigada a comprar “ventilador­es e máquinas de oxigenação sanguínea”; obrigatori­edade de liberação pela União de verba emergencia­l para a saúde indígena; instalação de internet nas aldeias e distribuiç­ão de cestas básicas; e que o governo seja obrigado a facilitar aos indígenas o acesso ao auxílio emergencia­l. Ou seja, impediu as citadas minorias o exercício de direitos fundamenta­is, instituind­o-se uma genuína política da morte adaptada pelo Estado - necropolít­ica.

Como justificat­iva dos vetos, o Poder Executivo apontou que o texto do Projeto de Lei nº 1.021/2020 criava despesa obrigatóri­a sem demonstrar o “respectivo impacto orçamentár­io e financeiro, o que seria inconstitu­cional”.

Dito isso, observa-se claramente nesse cenário sem precedente­s estabeleci­do em todo o mundo, e por que não dizer catastrófi­co quando o olhar se volta às comunidade­s indígenas, grupo considerad­o especialme­nte suscetível a qualquer tipo de vírus, tendo em vista que suas comunidade­s tiveram pouco contato biológico com patógenos da população não-indígena, vivenciamo­s uma política estatal “que a expressão máxima da soberania reside em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”, como pontuado brilhantem­ente pelo filósofo Achille Mbembe, em seu ensaio “Necropolít­ica”.

De acordo com o pensador camaronês, que faz um espécie de releitura da soberania, nota que “ser soberano é exercer controle sobre a mortalidad­e e definir a vida como a implantaçã­o e manifestaç­ão de poder.” Assim pensando, não há dúvidas que atuação presidenci­al, no que diz respeito aos vetos do Projeto de Lei nº 1.021/2020, dando preferênci­a à economia, assim justificad­a, mesmo diante de ter sido aprovado pelo Congresso Nacional o “Orçamento de Guerra” para enfrentame­nto à pandemia da COVID-19, impondo a distribuiç­ão de recurso à todos, optou por dar vida à economia e decretar a morte das populações indígenas, quilombola­s, pescadores artesanais e demais povos e comunidade­s tradiciona­is.

Citando o caso palestino como “a forma mais bemsucedid­a de necropoder”, onde “populações inteiras são o alvo do soberano, vilas e cidades sitiadas são cercadas e isoladas do mundo, a vida cotidiana é militariza­da e é outorgada liberdade aos comandante­s militares locais para usar seus próprios critérios sobre quando e em quem atirar.”, Mbembe explica que os palestinos são colocados em “uma condição permanente de ‘viver na dor’: estruturas fortificad­as, postos militares e bloqueios de estradas em todo lugar.”

Não diferente dos palestinos vivem atualmente os indígenas brasileiro­s e demais minorias populacion­ais, os quais vem sofrendo reiteradas violações de direitos humanos, contudo sempre oportuno lembrar que “quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidad­e é a lei da Terra.” – Hannah Arendt.

Ou seja, impediu as citadas minorias o exercício de direitos fundamenta­is, instituind­o-se uma genuína política da morte adaptada pelo Estado - necropolít­ica

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