A ruptura moral do teatro e da pandemia
Filme produzido por Wolfgang Pannek aborda a obra de Antonin Artaud mostrando que a peste e o teatro derrubam as máscaras sociais
Um dos maiores nomes das artes cênicas do século XX, Antonin Artaud (1896-1948) costumava fazer uma analogia entre a peste e o teatro, alegando que ambos eram capazes de fazer cair as máscaras da sociedade. Tomando como base o ensaio O Teatro e a Peste, escrito pelo poeta francês em 1933, Wolfgang Pannek diretor da trupe paulistana Taanteatro - lançou como desafio a artistas de 14 países um filme para que retratassem em vídeo suas percepções sobre a pandemia do coronavírus. O resultado do pioneiro projeto áudio-visual pode ser conferido no longa-metragem “Antonin Artaud’s The Theatre and the Plague” lançado esta semana na internet.
O diretor destaca que o filme apresenta o texto de “O Teatro e a Peste” na íntegra. “Trata-se do primeiro texto do livro O Teatro e seu Duplo, uma obra considerada profética. Neste texto, Artaud mostra como a ameaça de uma doença avassaladora provoca mudanças psicológicas e afetivas que acabam abalando as ordens morais sociais e morais que regem a humanidade. E é exatamente isso que estamos vendo acontecer durante essa pandemia de agora”, ressalta Pannek.
Na avaliação dele, existem muitas semelhanças entre o que o poeta francês descreveu no século passado com o que estamos vivenciando atualmente. “Não chegamos a uma escala epidêmica tão avassaladora a ponto de encontrar pessoas mortas nas ruas, como aconteceu naquela época. Porém, estamos vivenciando o autoritarismo extremo, como é o caso do governo atual que tenta ignorar por inteiro as ameaças da
doença. Uma pessoa que teria que usar o cargo que ocupa para fazer o bem e cuidar dos outros, mas que ao contrário disso, demonstra total indiferença em relação à morte alheia”, critica.
Pannek enfatiza que a comparação entre a peste e o teatro defendida pelo dramaturgo francês ganha ainda mais força na atualidade. “Artaud desenvolveu os fundamentos do Teatro da Crueldade estabelecendo uma analogia entre a ruptura da ordem civilizacional provocada pela peste e as paixões convulsivas desencadeadas pela virulência de sua poética teatral transgressora. Diante da pandemia as máscaras realmente estão caindo. Basta observar como a pandemia está revelando muitas camadas que permanecem ocultas em situações mais regradas. Estamos vendo muitas pessoas com dificuldade diante da auto-restrição que exige disciplinas desagradáveis, porém necessárias. Também estamos presenciando a face oculta do consumo. O retorno aos shoppings mostra quais são os objetivos sociais de algumas pessoas neste momento crítico”, analisa.