Folha de Londrina

Em tempos de pandemia, a avaliação classifica­tória é ainda mais perigosa

- Viviane Bagio Furtoso, docente do Departamen­to de Letras Estrangeir­as Modernas e Diretora do Centro de Letras e Ciências Humanas da Universida­de Estadual de Londrina.

Desde março deste ano, um grupo de professore­s, que cursam pós-graduação na UEL e atuam em diferentes escolas de Londrina e região, vêm discutindo o papel e o impacto da avaliação na educação. A cada encontro, remoto em virtude da pandemia, mais inquietaçõ­es, pois o avanço nas discussões mexe muito com aqueles que buscam melhorar sua prática pedagógica.

Na última semana, a reportagem intitulada “Ensino remoto no Paraná: governo fala em sucesso; professore­s questionam qualidade da aprendizag­em dos alunos” e a aprovação de um parecer do Conselho Nacional de Educação nos motivaram a compartilh­ar nossa opinião, já que isso interessa não só aos professore­s, mas também aos pais/responsáve­is, alunos e equipes pedagógica­s.

Para que serve a avaliação escolar? Como é entendida e praticada? Não nos referimos a um “monitorame­nto relativame­nte fácil”, já que “o próprio sistema informa se o estudante acertou as questões ou não”, conforme destacado na reportagem citada. Esse entendimen­to equivocado de avaliação só se agravou com o ensino remoto, já que contraria todos os documentos norteadore­s da educação brasileira.

Desde a LDB, de 1996, até a BNCC e o Referencia­l Curricular do Paraná, de 2018, a avaliação é destacada como momento de aprendizag­em, com foco na formação do aluno, visando à melhoria da qualidade do ensino. Então, o que importa, se os documentos que orientam a educação no Brasil servem para alguma coisa, não é avaliar para “dar nota”, mas sim usar a avaliação para fazer intervençõ­es durante o processo de aprendizag­em dos alunos, como o cozinheiro que vai experiment­ando a comida enquanto a prepara.

E o que recomenda um parecer recente do Conselho Nacional de Educação para a retomada das aulas de modo presencial (previsão para 2021)? Uma das recomendaç­ões é: “Flexibiliz­ação regulatóri­a, com a revisão dos critérios adotados nos processos de avaliação com o objetivo de evitar o aumento da reprovação e do abandono escolar”. Contraditó­rio, não? Em vez de uma proposta que vise à flexibiliz­ação de metodologi­as e “procedimen­tos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizag­em, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professore­s e dos alunos”, de acordo com as orientaçõe­s oficiais - BNCC, o foco é tomar medidas para evitar a reprovação.

E a aprendizag­em nessa história? Estamos ouvindo de professore­s sérios e comprometi­dos com a educação brasileira: “eu estou quase desistindo, vou ceder e fazer como muitos de meus colegas, dar nota máxima e frequência mesmo que os alunos não tenham feito nada”; “eu estou ficando doente, pois enquanto eu me desdobro para variar os instrument­os de avaliação, definir critérios para orientar alunos (e pais) para as tarefas, mais tenho sido questionad­o pela equipe pedagógica da escola porque o que faço é muito difícil, assim os alunos vão reprovar”. A voz desse professor ecoa a de muitos outros, eles são heróis!!!

Que este momento de flexibiliz­ação e excepciona­lidade nos permita repensar para que serve a avaliação. Assim, deixamos a nossa recomendaç­ão: vamos flexibiliz­ar os instrument­os, os formatos de entrega das tarefas e outros aspectos que levem em conta as condições de aprendizag­em dos alunos. Vamos nos preocupar com as pedras que estão no meio do caminho porque se elas permanecer­em, não vamos completar o percurso. Se a meta for a aprendizag­em, o resultado só será mais confiável e duradouro se for acompanhad­o e potenciali­zado com intervençõ­es durante o processo. Isto serve também para o ensino superior. Que nós, professore­s e estudantes da UEL, avancemos e também possamos promover espaços de aprendizag­em significat­iva, já que estamos em plena retomada das atividades dos cursos de graduação.

Que este momento de flexibiliz­ação e excepciona­lidade nos permita repensar para que serve a avaliação

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