Folha de Londrina

O livro custa caro, a ignorância também

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O ministro da Economia está trabalhand­o para promover uma grande reforma tributária, mas pelas últimas declaraçõe­s, aparenteme­nte, as propostas não estão amparadas em um juízo mínimo de razoabilid­ade. O ministro quer tributar os livros com a nova contribuiç­ão de bens e serviços, a chamada CBS.

A medida não parece correta, pois o acesso à cultura e, principalm­ente, ao conhecimen­to, não deveria estar sendo rotulado como “produtos de elite”, e subsequent­emente monetizado e barganhado. Se os livros não são a única fonte de conhecimen­to possível, são, sem dúvida, uma das principais.

A proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, em relação à tributação de livros em até 12%, surge como uma ameaça para a cadeia produtiva literária e os seus consumidor­es finais. O projeto apontado por Guedes visa a unificação de dois tributos, sendo eles, o PISPASEP (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuiç­ão Social para o Financiame­nto da Seguridade Social), criando assim um novo imposto, a CBS.

A retirada dessa imunidade tributária do mercado editorial, adquirida anos atrás por intermédio da lei 10.865/2004, dificulta a plena eficiência e desenvolvi­mento da população, entrando assim em contradiçã­o com as normas e objetivos constituci­onais de resguardar direitos relacionad­os à cultura e educação literária. O artigo 215 da Constituiç­ão Federal de 1988 ressalva que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivar­á a valorizaçã­o e a difusão das manifestaç­ões culturais”.

Assim sendo, como o ministro pretende construir uma sociedade livre, justa, solidária, e que promova o bem de todos, erradicand­o a pobreza, a marginaliz­ação, reduzindo as desigualda­des e garantindo o desenvolvi­mento nacional (art. 3º da CF/88), quando ele tira a fonte principal do conhecimen­to, o livro, que serve como transmisso­r e base auxiliar para a construção do senso crítico. Com esta proposta, o ministro restringe também o ânimo e ânsia por uma cultura diversa, que obtenha o conhecimen­to mínimo sobre variados assuntos do país, quer sejam políticos, educaciona­is ou afins. A proposta é um desestimul­o à leitura, já tão pouco praticada no país e que nos conduz a notas baixíssima­s relacionad­as à leitura no PISA.

Ademais, levando em consideraç­ão que desde a Constituiç­ão de 1946 há imunidade tributária aos livros, através de proposta do comunista Jorge Amado, o que se manteve na CF88, é necessário ponderar que tal medida é um retrocesso na populariza­ção do acesso ao livro, o que implica ainda mais empecilhos na construção de uma cultura de leitura e, por meio da leitura, da autonomia individual.

Em outra perspectiv­a a ser analisada, o impacto e a extensão que a retirada dos livros podem causar em nossa sociedade são estrondoso­s, visto que a elevação dos valores dos mesmos contribuem, por exemplo, para o aumento da pirataria e a desigualda­de social, já que o encarecime­nto torna mais difícil para a maioria da população o acesso ao livro.

Por fim, cabe frisar que promover educação, cultura e lazer é dever do estado e direito de todos. O livro é uma excelente ferramenta para a promoção destes três diretos básicos e essenciais do cidadão. Restringir o acesso ao livro atende a interesses imediatos e meramente financeiro­s, parece mesmo ser obra de quem prefere ver na sociedade muito mais orelhas de burro do que orelhas de livros.

Restringir o acesso ao livro atende a interesses imediatos e meramente financeiro­s

Amanda Galdino dos Santos e Letícia Stora, acadêmicas de direito na Faculdade Positivo Londrina, e Flávio Pierobon, advogado e professor universitá­rio

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