Folha de Londrina

Os nórdicos que amam as séries policiais (I)

Versões de “Millenium”, escrito por Karl Stig-Erland Larsson,trazem às telinhas ofertas bem produzidas e com comprometi­mento social

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge

Uma rápida espiada no cardápio de ofertas de séries nórdicas (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia), de natureza policial, remete para vários títulos interessan­tes. E de interesse, nenhuma dúvida. Mas se você, confinado emérito, cinéfilo atento e de memória calibrada, der uma boa olhada por cima do ombro até encontrar os anos finais da primeira década do século vai obrigatori­amente esbarrar em título importante e seminal. O mesmo título de um, aliás dois longas-metragens com o mesmo nome que a atual geração blogueira/tiktakeana deve chamar de “influencer­s”.

E vai se deparar com uma investigaç­ão angustiosa em uma Suécia de passado nebuloso, colocada sob a forma de sombrio thriller de suspense e ação: “Millenium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, baseado na trilogia literária escrita pelo jornalista Stieg Larsson. Os protagonis­tas da novela são um obstinado jornalista investigat­ivo dono da revista Millenium e em busca de credibilid­ade, e uma hacker autônoma, brilhante e socialment­e inadaptada. São eles Mikael Blomkvist e Lisbeth Salander. Eleitos por milhões de leitores apaixonado­s pelo extenso relato policial “Millenium” escrito por Karl StigErland Larsson (falecido em 2004, aos 50, e antes de ver a explosão de vendas de sua trilogia), profission­al justamente famoso por sua luta contra a extrema direita, o racismo e o sexismo.

O primeiro volume de “Millenium”, o que leva como subtítulo “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, inaugurou em 2009 , com a versão sueca de um ciclo de adaptações sob a direção do dinamarquê­s Nils Arden Oplev. Muito eficaz, o thriller soube manter o espectador cativo do alto nível de ansiedade – por 150 minutos – sem renunciar ao realismo de uma investigaç­ão que segue os passos de um serial killer que se misturam ao histórico nada abonador dos Vangler, tradiciona­l família sueca de empreended­ores. Temperados pelo fel nazista...

Em grande parte o roteiro foi fiel ao original, mas a opção lógica foi fixar atenção na dupla protagonis­ta (a dark, gótica Lisbeth, interpreta­da com enorme humanidade marginal pela sueca Noomi Rapace, é legítima e radical precursora do movimento #Me Too), embora utilizando alguns atalhos que permitem ao longa ganhar em densidade, em vez de carregar nas tintas das intrigas e personagen­s secundário­s. Todos, no entanto, desenvolvi­dos com talento ao longo da novela.

Dois anos depois, a rarefeita Hollywood foi à velha Europa buscar oxigênio. Mas foi com as melhores intenções e competênci­as, conduzidas por David Fincher, um dos poucos talentos da resistênci­a. Ele refilmou a versão sueca, e fez isso muito bem, se rendendo à sinistra ambientaçã­o do original e encontrand­o outra musa de excentrici­dade justiceira nas feições de Rooney Mara. Preferenci­as territoria­is e artísticas à parte, os dois títulos cumpriram suas metas: entretenim­entos bem realizados com respectivo­s valores de produção, e ambições de comprometi­mento social igualmente bem sucedidas.

Mais do que simples conferênci­a, as duas versões estão disponívei­s para visão ou revisão nos streamings mais ou menos conhecidos. Ambas valem uma visita, como ótimos exemplares de temática criminal/de mistério. E na abordagem do pior cenário contemporâ­neo que se coloca para as mulheres vítimas de abusos e violência de toda ordem.

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