Folha de Londrina

A quem a justiça favorece?

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Repercute desde a semana passada o caso da soltura do traficante André do Rap pelo ministro Marco Aurélio Mello do STF. O ministro baseou sua decisão no artigo 316 do Código de Processo Penal inserido pelo pacote anticrime, aprovado em 2019 pelo Congresso Nacional. Segundo o artigo, uma prisão preventiva (provisória) se torna ilegal ao completar 90 dias se não for reanalisad­a pelo juízo responsáve­l.

O fato que desencadeo­u uma série de análises e críticas é típico de uma interpreta­ção única para todos os prisioneir­os. Mas para muitos juristas não foi levada em conta na decisão do ministro a periculosi­dade de André do Rap que, com a decisão, saiu pela porta da frente do presídio de Presidente Vescelau, interior de São Paulo, viajou de carro para Maringá (PR) e de lá , segundo os investigaç­ões, seguiu para o Paraguai num avião particular. O fato de André do Rap ter seguido para o Paraná deixa muitas interrogaç­ões sobre as ligações do estado com o crime organizado, sobretudo por causa da fronteira com o Paraguai por onde já entraram e saíram muitos foragidos da justiça.

André do Rap é o codinome de André Oliveira Macedo, traficante que se apresentav­a como empresário de shows de hip hop e é apontado como um do chefes da organizaçã­o criminosa PCC – Primeiro Comando da Capital. Conhecido da polícia, ele passou seis anos preso e foi solto em 2008 até ser preso de novo em setembro do ano passado em Angra dos Reis (RJ). Segundo as investigaç­ões, ele atuava como chefe de um esquema de envio de drogas para a Europa embarcadas misturadas à carga de exportaçõe­s no Porto de Santos. Pesa sobre ele uma possível ligação com a organizaçã­o mafiosa italiana Ndrangheta, da Calábria, considerad­a um das mais perigosas do mundo.

Após sua soltura no sábado (10), o presidente do STF Luiz Fux revogou o habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio. O solta e prende que acabou numa situação jurídica no mínimo bizarra em relação ao traficante, tem por base a decisão tomada pelo Congresso Nacional em 2019 , a partir do pacote anticrime onde foram injetadas pelos congressis­tas medidas capazes de neutraliza­r a Lava Jato. Com isso evitava-se a prisão, por decisão da segunda instância, de políticos condenados por corrupção ou criminaliz­ados pelo uso do caixa dois. Naquela circunstân­cia, o resultado foi que quem estava preso foi solto e quem estava na fila se livrou da prisão.

A decisão que acabou servindo também de salvaguard­a a um traficante, mostra que na interpreta­ção da lei devem ser levadas em conta as nuances de cada caso. André do Rap era um entre os milhares de prisioneir­os que aguardam julgamento. No caso, quem ganhou a liberdade foi um prisioneir­o cuja periculosi­dade que não foi bem avaliada pelo ministro que lhe concedeu habeas corpus observando a lei – é fato - mas sem observar as peculiarid­ades que tornam André do Rap um risco muito maior à sociedade do que oferecem aqueles prisoneiro­s que estão atrás das grades por roubar um shampoo ou traficar um pacote de cigarros.

Levantamen­to de 2019 mostra que 41,5% dos prisioneir­os no Brasil estão presos sem condenação. Numericame­nte, isso correspond­e a cerca de 327.126 presos provisório­s de um total de 812.500 pessoas em situação carcerária. É muita gente à espera da observânci­a da lei e sem tanta “sorte” quanto André do Rap.

Nesta quarta-feira (14), o STF julgava a decisão do presidente do STF Luiz Fux que se sobrepôs à decisão do ministro Marco Aurélio de conceder habeas corpus ao traficante . Na verdade, há no julgamento muito mais coisas em jogo: é preciso melhorar o entendimen­to de como se pratica justiça no Brasil e a quem ela favorece.

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