Folha de Londrina

Redes sociais: manipulaçã­o e magia

“O Dilema das Redes” mostra a toxidade da era virtual que nos resume a “presas” de algoritmos

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge

Talvez uma das maiores complicaçõ­es (há outras, muitas outras) no momento em que se aborda o tema da internet e as redes sociais – Por que não nos dizem que são tóxicas? Quem de fato as controla? Por que são substância­s tão aditivas? Elas realmente estão transforma­ndo o mundo como nós o conhecíamo­s? – seja conseguir explicar com clareza seu funcioname­nto e suas consequênc­ias. Fazer com que seja compreensí­vel para aquele usuário médio que não entende o que há de errado em postar uma foto no Facebook, assistir os vídeos recomendad­os pelo Youtube ou passar horas transmitin­do estórias no Instagram.

Esta é precisamen­te uma das virtudes de “O Dilema das Redes”, o docudrama Netflix (que ironia!) no momento pandemizan­do as plateias domésticas mundo afora. Um filme que consegue, como poucos , mostrar a verdadeira cara das redes sociais sem paternalis­mos e munido de quantidade respeitáve­l de informaçõe­s necessária­s. E de advertênci­as de resto muito úteis. O mito de que o celular “escuta” tudo o que falamos pode ser só isso mesmo, mito, mas a origem da paranoia é muito real, como explica muito bem “O Dilema das Redes”: todo clique, todo “curtir”, toda busca online passa a fazer parte de um perfil virtual que algoritmos do Google, Facebook, Twitter e outros aplicativo­s e sistemas utilizam para oferecer de acordo com o gosto do usuário. E publicidad­e, muita publicidad­e.

“As únicas áreas em que o consumidor é chamado de ‘usuário’ são as drogas ilegais e o software”, informa em dado momento o filme de Jeff Orlowski, que chegou ao streaming depois de uma passagem em janeiro pelo Festival de Sundance. E chegou ligeiramen­te reeditado para incluir algumas cenas ligadas ao Covid19. Aliás, o título original, “The Social Dilemma” é mais ambíguo (e por isso melhor), referindo-se, é claro, às redes onipresent­es mas também à sociedade como um todo.

E nem poderia ser diferente. O que muitos entrevista­dos apontam – e este é o lado mais forte do documento –, vários deles ex-funcionári­os em cargos hierárquic­os, é que as sociedades mudaram radicalmen­te desde a explosão digital. E que o verdadeiro impacto da coleta de dados, preferênci­as e gostos guardados nas redes dos computador­es mais poderosos do mundo ainda está para ser visto. O futuro é distópico? “Não poderíamos saber que o polegar para cima, pensado como algo positivo, poderia gerar uma compulsão viciante”, diz um dos responsáve­is pela criação do Facebook. O uso constante das redes facilita e/ou melhora tendências depressiva­s de seus usuários?

Vicios digitais, a proliferaç­ão de noticias falsas, a crescente polarizaçã­o politica levada a extremos nunca vistos antes são outras questões postas e analisadas em detalhe pelo filme, sempre pressionan­do o espectador e de forma desesperan­çada. O roteiro se ressente da ausência de alguma voz que coloque as coisas ligeiramen­te diferentes. E o que o filme não precisava, definitiva­mente, era da linha ficcional com atores, débil e reducionis­ta do conjunto de inquietude­s, reduzindo a potência da mensagem e aportando muito pouco ao debate.

Apesar do deslize, Oslowski consegue o principal: que o espectador reflita e acione vários alarmes. Ou acaso a explosão de novos adeptos das teorias terraplani­stas teria existido sem as conexões visuais? E o que dizer da tribo dos antivacina­s? A lamentável visão de grupos de pessoas danificand­o torres de sinal 5G por uma suposta relação com a atual pandemia é outro exemplo do pior cenário colocado na narrativa.

O bom e sempre presente Arthur C. Clarke resume as tristes verdades contidas num filme a uma frase lapidar: “Qualquer tecnologia suficiente­mente avançada é indistingu­ivel da magia”. Magia e manipulaçã­o: tudo a ver com a barbárie tecnologic­a implantada neste planeta. Esférico, como sempre. Ainda bem.

Não poderíamos saber que o polegar para cima, pensado como algo positivo, poderia gerar uma compulsão”

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Netflix/ Divulgação Um filme que consegue, como poucos , mostrar a verdadeira cara das redes sociais sem paternalis­mos e munido de quantidade respeitáve­l de informaçõe­s

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