Folha de Londrina

AOS DOMINGOS PELLEGRINI

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Filme de mocinho

Fogo na tevê. Explosões. Bombas. Muitos tiros e muitos mortos.

- No meu tempo – diz o avô – os bandidos ao menos atiravam mais, e hoje morrem tão fácil! Tinha um, o Jack Elam, que dava tanto tiro que depois até soprava o cano do revólver. Mas os bandidos também nunca acertavam o mocinho, igualzinho hoje.

- Sabe por que, vô? – o neto pergunta sem tirar os olhos do filme.

- Por quê?

- Porque se acertam o mocinho acaba o filme. Engraçadin­ho, resmunga o avô, e continua lembrando com voz distante: - Também ninguém recarregav­a a arma mas a munição nunca acabava.

O neto corta o som do filme, as bombas e os tiros não precisam de palavras, e o avô continua:

- A munição do faroeste só foi começar a acabar quando eu já era rapaz. Aí começaram os filmes de mocinho feio, antes só tinha mocinho bonito. E também não tinha mocinho meio bandido como hoje.

- Mas por que chamavam filme de mocinho? Além dos tiros, na tevê o filme agora tem umas poucas palavras, mas o neto não volta o som, o vô se anima:

- Eram filmes de mocinho porque sempre tinham alguém, um homem, claro, porque o faroeste foi antes do feminismo, alguém, geralmente moço, tendo de enfrentar muitos sozinho, talvez por isso mocinho, coitadinho. Mas, como ele era bom e defendia o bem, então crescia na luta e sempre vencia!

- Então, vô, você começava o filme já sabendo o fim? - Engraçadin­ho. Mas o que a gente bem sabia era que o mocinho era do bem! Hoje, parece que quase só tem filme de bandido contra bandido, ou filme com mocinho meio bandido! E como fumam, muito mais que na vida real, tem filme que só tem personagem chaminé! Sem falar nos mocinhos com tantas neuras que dá vontade de pegar no colo!

- Não será como a vó diz, vô? – o neto fala baixinho – Que o mundo complicou e você não notou?

- Bem, certo – o avô também fala baixinho – certo mesmo, é que sua vó, quanto mais velha fica, mais fala besteira, só não fale isso pra ela.

Aponta a tevê: - E a verdade é que hoje os mocinhos, nos filmes que ainda tem mocinho, deixaram de ser tão mocinhos, enquanto os bandidos ficaram mais bandidos. Outro dia você estava vendo um filme em que um sujeito mata com gosto muita gente só porque sofreu na infância. Se fosse assim, o mundo seria um morticínio, pois quem é que não sofreu na infância?

- Eu, vô, ao menos até agora.

O vô olha o neto com olhos úmidos, engole e fala fundo:

- Então espero que sofrimento não te faça falta. E que você venha a ser um bom mocinho na vida. E que os bandidos fiquem sem munição.

- Mas aí vai ter graça, vô?

- Tem razão – o avô olha bem o neto – Acho até que você já é um bom mocinho.

- Então só faltam os bandidos, né? Aguarde, diz o avô, aguarde. Mas já se anima: - Entretanto tudo evoluiu! Filme era só em cinema, a molecada batendo os pés e gritando, e hoje posso tranquilam­ente ver filme em casa com meu neto.

- Que bom que você lembrou do filme, vô – o neto aumenta o som - Vamos ver?

 ?? Repordução ?? Jack Elam
Repordução Jack Elam

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