Governos do Paraná e de SP adotam cautela em ‘corrida imunológica’
Após a Rússia dizer que espera registro da vacina Sputnik V no Brasil em dezembro e início da produção em janeiro, o Tecpar, um dos parceiros no País, adotou discurso ponderado. Em São Paulo, João Doria recuou ao não confirmar vacina chinesa para o começo
Um anúncio feito pelo diretor do Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF, na sigla em inglês) Kirill Dmitriev na manhã desta segunda-feira (19) trouxe uma nova perspectiva sobre a fabricação da vacina Sputnik V no Brasil e na América Latina. Além disso, levantou questionamentos com relação à transparência do governo russo no envio de informações ao Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná), parceiros na busca pela imunização contra a Covid-19.
Em entrevista coletiva com veículos de comunicação da América Latina, Dmitriev disse que o registro da Sputnik V, que está em fase 3 de ensaios clínicos no Instituto Gamaleya (Moscou), deverá ocorrer até dezembro na Brasil. Ainda de acordo com ele, a fabricação do medicamento deverá ter início em janeiro de 2021, em parceria com a farmacêutica União Química, multinacional que tem sete unidades fabris no País e que oficializou um acordo de cooperação com os russos há um mês para produzir a vacina por aqui.
Detalhes até então sigilosos, como o total de doses a serem produzidas, também foram repassados pelo diretor. O RDIF disse ter recebido encomendas que chegam a 1,2 bilhão de doses e que pretende entregá-las até o final de 2021. Destas, 230 milhões teriam a América Latina como destino. Já para a produção local de doses da Sputnik V, a Rússia ainda pretende fechar acordos com a Argentina, Uruguai, Peru e México.
Embora sejam perspectivas otimistas, as afirmações causam certa perplexidade quando comparadas com as que já haviam sido repassadas pelo presidente do Tecpar, Jorge Callado, principal fonte de informações sobre a Sputnik V no Paraná. Em uma de suas raras manifestações sobre os bastidores da parceria firmada em agosto, Callado estimou que a produção da vacina em larga escala no estado ocorreria apenas no segundo semestre de 2021.
As tratativas entre o governo do Paraná e os russos para o compartilhamento de informações em busca da descoberta da vacina foram oficializadas em 12 de agosto, dia seguinte ao presidente russo Vladimir Putin anunciar o registro da Sputnik V. À época, o anúncio foi tomado por dúvidas da comunidade científica internacional e, em território paranaense, até o dias de hoje não se sabe quantas doses o estado tem capacidade de produzir. O Paraná também é sede de parte dos estudos que estão sendo feitos com a CoronaVac, vacina do laboratório chinês Sinovac Biotec, em parceria com o Instituto Butantã, de São Paulo.
Nesta segunda-feira, a FOLHA voltou a solicitar informações ao Tecpar. Em nota, o Instituto reafirmou que os estudos em colaboração com o Fundo de Investimento Direto da Rússia atravessam a fase 3 de ensaios clínicos. E que a elaboração de um protocolo de validação é um processo “complexo que envolve tratativas técnicas, traduções e estudos sobre os dados que serão utilizados para a finalização do documento”, disse.
Segundo apurou a reportagem, o Tecpar teve que solicitar novos dados ao Instituto
Gamaleya, bem como a tradução de documentos, o que causou certa lentidão no avanço dos estudos durante a primeira semana de outubro. Para poder submeter o pedido oficial de realização de testes à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Instituto disse aguardar “definições” do Fundo de Investimento Direto da Rússia relacionadas à “dominialidade do registro”, informou.
Procurada pela FOLHA, a União Química confirmou a previsão de realizar os testes piloto com a Sputnik V no Brasil até dezembro na unidade fabril de biotecnologia Bthek, em Brasília. Em nota, a farmacêutica disse que reitera seu compromisso com a saúde do Brasil e do mundo “para contribuir e apoiar o desenvolvimento e produção de mais uma opção de vacina contra a Covid19” antes de destacar que detalhes técnicos e científicos não poderiam ser compartilhados por conta de acordos de confidencialidade.