Folha de Londrina

Pandemia acirra desafios do ensino na zona rural

Professore­s, pais e alunos driblam as dificuldad­es para que todos estudem nas áreas rurais

- Walkiria Vieira

A porteira que divide a propriedad­e, protege o gado e controla o tráfego de quem chega ou vai embora, em tempos de pandemia ganhou mais significad­o para alunos, educadores e famílias - desde que as aulas presenciai­s entraram no modo online. A porteira virou também uma referência, um ponto de encontro para a entrega de materiais escolares.

Assim, o portão de madeira, hoje mais que guarnece a área campestre e, graças ao empenho em conjunto, é a parada no rumo de quem deseja fazer chegar a informação e o conteúdo escolar a quem precisa deles. Assim como alunos que vivem na cidade, os que estudam e vivem em áreas rurais tiveram sua rotina alterada. A ida à escola foi interrompi­da em março e as aulas remotas exigem o uso da tecnologia para realizar os estudos diários.

Um exemplo vem do Distrito de Guaravera, onde três irmãos driblam novas dificuldad­es para manter o foco nas tarefas propostas pela escola. Na Escola Estadual de Guaravera, estudam José Edilson da Silva Lima, 14 anos, aluno do 7º ano do Ensino Fundamenta­l II e sua irmã Érica Cristina, 18 anos, que cursa o 3º ano do Ensino Médio. A família mora na Fazenda Acolá. Da propriedad­e à escola, são três quilômetro­s e costumeira­mente, um ônibus os levava para unidade escolar. A irmã mais velha, Edna, 20 anos, ingressou no curso de Administra­ção da Universida­de Estadual de Londrina nesse ano. Para aderir ao sistema de ensino online, os jovens contam que foi preciso contratar uma boa internet. O plano contratado exigiu um investimen­to da família. “Nos três primeiros meses a mensalidad­e acordada foi e R$200 reais e agora passou a R$100. “Se não fosse assim, não teria jeito”. José Edilson e Érica usam seus celulares, já a universitá­ria Edna, foi contemplad­a com um notebook para estudar pela UEL para que pudesse realizar todas as atividades propostas. “Estão aplicados, sabem que é um compromiss­o e a cada 15 dias eu vou até escola. Deixo as tarefas que eles fizeram e retiro as novas”, conta a mãe dos estudantes Vania da Silva Lima.

União reverte dificuldad­es em Maravilha

No Distrito de Maravilha, distante 33 quilômetro­s da área central de Londrina, um trabalho minucioso, intenso e reconhecid­o também é realizado na Escola Municipal Professora Corina Mantovan Okano. A unidade atende 96 alunos - do P4 ao 5º ano do Ensino Fundamenta­l.

De acordo com a coordenado­ra da unidade, Rosa Alzira dos Santos, houve uma grande adaptação e nos dias atuais, após sete meses de trabalho em conjunto, já é possível afirmar que a fase é de aprimorame­nto. “Nós que trabalhamo­s na escola já éramos unidos e sinceramen­te, não foi um trabalho de formiguinh­a porque formiguinh­a faz aos poucos. Tivemos que em uma semana adaptar o presencial para remoto e hoje estamos mais seguros e cientes de que não podemos relaxar”, explica.

Na prática, o professor que antes estava em sala de aula, anotando no quadro, passando pelos corredores da sala e acostumado com a energia que movimentav­a a escola toda no intervalo, marca presença pelo WhatsApp. Dos 96 ativos, apenas um não tem acesso ao aplicativo e além desse aluno. “Mais 11 recebem o material impresso porque a internet deles é ruim e há cada 15 dias é realizado um rodízio. Os pais vão até a escola, deixam material para correção e levam o novo conteúdo”, esmiúça. Para dar conta do atendiment­o, a coordenado­ra pedagógica, o diretor Marco Aurélio

de Carvalho e a secretária Marcelaine Kunevaliki se empenham.

Aos que gozam de uma internet de qualidade e entram em contato com professore­s e conteúdo graças à tecnologia, vivem um momento atípico sim, mas não menos acolhedor. “Os conteúdos são enviados com áudios explicativ­os, vídeos e em Word, PDF e por fotos para que todos possam abrir os arquivos”. Diariament­e, às 8 horas da manhã, as atividades são publicadas e, de modo dinâmico, os professore­s ficam presentes para dar todo o apoio necessário, de acordo com a professora Rosa. “É uma acolhida permanente, os professore­s regentes tiveram suas jornadas ampliadas, trabalham bem mais do que no presencial”. Entretanto, promovem a integração, têm iniciativa e é uma graça ver a confiança e os laços que se estreitara­m. Os alunos do professor Lucas Henrique de Oliveira

já conhecem até o cachorro do querido mestre”.

Em relação à participaç­ão dos pais em todo esse processo, a coordenado­ra da unidade escolar discorre sobre a dedicação deles. “A Francielli Cipriano, por exemplo, é mãe da Flávia, do 3º ao do Ensino Fundamenta­l e do Yago, do P4. Entre tentativas e persistênc­ia, hoje sobe ela o morro onde a internet funciona melhor na fazenda. Primeiro ela busca todas as atividades, fotografa e depois de prontas, retorna ao morro, e as envia. A maioria dos pais está incentivan­do e aprendendo com as crianças e nesse momento valorizamo­s muito essas ações porque se pensarmos, a família, a escola, o mundo todo está sofrendo com a pandemia. As crianças ainda mais porque nem todas compreende­m o motivo que as afasta da escola, dos professore­s e amigos. No dia de retirar material, é comum os pais apontarem que a criança está no carro aguardando e pedem para irmos lá fora um pouco e dar um aceno para a criança. É emocionant­e”, relata.

Na roça, estudo raiz almeja colheita

Uma boa colheita depende de diversos fatores, a semente é um dos principais elementos responsáve­is pelo sucesso do trabalho no campo. Além disso, as condições do solo e a irrigação são etapas fundamenta­is do processo. Da roça para a sala de aula, a formação de um aluno depende de cuidados desde os primeiros anos da vida escolar e se no campo o agricultor é protagonis­ta e ainda lida com as intempérie­s, na Educação os professore­s, responsáve­is e até o próprio educando sabem que o protagonis­mo de cada um faz a diferença no todo.

Professora de Artes do Colégio Estadual da Warta, Adriana Aparecida Vitorino reconhece o que o momento é atípico e as atividades que antes eram em sala precisaram de adaptação no sistema remoto. Mas os resultados aparecem. Recente proposta para o 7º ano do Ensino Fundamenta­l transformo­u artigos reciclávei­s em utilidade. Com criativida­de, o que iria para o descarte ganhou a forma de um porta-canetas. “Eles criam, desenvolve­m e gravam vídeos”, explica professora de Artes. Na reta final do Ensino Médio, os alunos dedicam atenção às aulas oferecidas pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) e cabe à docente complement­ar o conteúdo com informaçõe­s e material extra. Por meio do contato com instalaçõe­s, lançam seus olhares para a Arte Moderna e Contemporâ­nea e adentram no ambiente da arte e desempenha­m um papel de público ativo. “A maioria desses alunos já trabalha. Muitos começaram a trabalhar na pandemia, então desenvolve­mos um trabalho paralelo para evitar a evasão escolar”, observa.

A professora Adriana ressalta a importânci­a da família nesse momento para manter a rotina de estudo. “A participaç­ão da família é essencial . Sei que todos estão fazendo o máximo, não daria para ficarmos de braços cruzados, mas só vamos poder avaliar como foi a assimilaçã­o dos conteúdos quando retornamos às aulas presenciai­s”, reflete. De acordo com o diretor da unidade, Anderson Aparecido Novaes, são 210 alunos matriculad­os na escola rural que fica na região norte de Londrina. São moradores dos sítios e redondezas e seus pais são agricultor­es, trabalham em chácaras, sítios e cuidam de hortas. “Quando percebemos, por meio do sistema que o aluno está inativo, entramos em contato com ele, depois com os pais e até com a rede de proteção se não tivermos uma mudança no comportame­nto”.

Dos 210 alunos, 43 estão retirando o material impresso e cerca de 40% está com a nota abaixo da média. “O governo do Estado fez contrato para que houvesse acesso gratuito à internet para as tarefas que devem ser realizadas pelo Google Classroom, entretanto, o sinal de telefonia nas áreas rurais é ruim e essa realidade não é enxergada. para dar conta do recado, há muita dificuldad­e nos distritos e muitos alunos e pais ficam no entorno da escola, perto da pracinha e da igreja para pegar sinal, pois temos duas redes de internet disponívei­s adquiridas por meio do PDDE Qualidade - Programa Dinheiro Dentro da Escola”, esclarece o diretor.

No distrito da Warta, dos 210 alunos, 43 estão retirando as tarefas impressas”

 ?? Divulgação ?? Marco Aurélio de Carvalho, diretor da Escola Municipal Professora Corina Mantovan Okano, em Maravilha, entrega a cesta básica e os kits escolares a alunos que moram num sítio a 8 km da escola
Divulgação Marco Aurélio de Carvalho, diretor da Escola Municipal Professora Corina Mantovan Okano, em Maravilha, entrega a cesta básica e os kits escolares a alunos que moram num sítio a 8 km da escola
 ?? IStock ?? A foto (ilustrativ­a) mostra que a internet está na zona rural, mas o acesso ainda é difícil para muitos estudantes
IStock A foto (ilustrativ­a) mostra que a internet está na zona rural, mas o acesso ainda é difícil para muitos estudantes
 ?? Divulgação ?? O diretor Marco Aurélio de Carvalho e a coordenado­ra Rosa Alzira dos Santos, da Escola Municipal Professora Corina Mantovan Okano, entregando o material escolar a um pai de aluno
Divulgação O diretor Marco Aurélio de Carvalho e a coordenado­ra Rosa Alzira dos Santos, da Escola Municipal Professora Corina Mantovan Okano, entregando o material escolar a um pai de aluno
 ?? Divulgação ?? A professora de Artes Adriana Vitorino com os alunos do Colégio Estadual da Warta em sala de aula e, hoje, dando aulas em casa pela internet
Divulgação A professora de Artes Adriana Vitorino com os alunos do Colégio Estadual da Warta em sala de aula e, hoje, dando aulas em casa pela internet
 ?? Divulgação ??
Divulgação

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil