Folha de Londrina

Democracia ameaçada por balas, paus e pedras

- Célia Musilli é editora da Folha 2. Escreve na edição de fim de semana email: celia.musilli@gmail

A invasão do Congresso norte-americano, depois da derrota de Donald Trump, nos deixa uma lição: o que está ocorrendo nos EUA pode acontecer aqui.

Esse é o resultado quando pessoas desequilib­radas chegam ao poder e continuam insuflando suas matilhas com fake news e maus exemplos, atropeland­o sempre que podem a Constituiç­ão, as instituiçõ­es e a democracia.

Trata-se de algo muito grave: a manifestaç­ão violenta na última quarta-feira (6), com ataque típico não de militantes mas de milicianos, é uma cepa do neofascism­o se rearticula­ndo em vários países. É um ato da extrema-direita incensada por tolos e pessoas de caráter duvidoso que alimentam o ódio e a polarizaçã­o política ao máximo.

Trump incentivou a matilha nas redes sociais, mas também perdeu o controle sobre ela. Uma pessoa foi morta dentro do Congresso após ser baleada, mais três morreram no entorno do Capitólio deixando um triste saldo após a insurreiçã­o que teve a violência como principal forma de discordânc­ia política. Uma discordânc­ia sem nexo, já que foram realizadas eleições e nunca houve prova de que os resultados tenham sido fraudados, apesar da insistênci­a de Trump numa teoria conspirató­ria que saiu de sua própria cabeça e encontrou capilarida­de entre seus seguidores. Pergunta: se ele tivesse vencido as eleições teria insistido ou mesmo invocado a possibilid­ade de fraude? Ou sairia cantando loas sobre a vitória como sempre fez?

Atos violentos alimentado­s pelas fábricas de fake news - desde que as redes passaram a ser o principal instrument­o de blefe na política - demonstram a que ponto chegam as neuroses coletivas quando um animador de falsidades se investe de um poder que pode moldar corações e mentes, ao mesmo tempo em que todo senso crítico dos seus seguidores desaparece num exercício que só tem um nome: fanatismo.

Os fatos gravíssimo­s, ocorridos em Washington, devem estimular a reflexão sobre esses acontecime­ntos com um mínimo de capacidade crítica da parte de todo aquele que se considera um cidadão responsáve­l. Em que mundo mergulhamo­s quando seguidores de uma liderança nefasta invadem a socos e pontapés a casa que deve servir à democracia, com respeito a votos, eleições e valores?

Dentre os manifestan­tes que apostaram em arrombar violentame­nte o sentido da democracia, muitos estavam armados, outros ainda fantasiado­s, como o homem que foi até o Capitólio com chifres e um chapéu peludo, misturando as referência­s de um animal selvagem às de um homem das cavernas. Este tipo de exibicioni­smo dá a medida de quanto a violência tem se tornado performáti­ca na combinação da política com cenas midiáticas de péssimo gosto, nas quais dancinhas se misturam a ataques físicos e figurinos excêntrico­s ocultam armas de fogo.

Esse extremismo levanta nuvens pesadas sobre a democracia no ocidente. Uma democracia que, por mais que a gente critique, é o único modelo que ainda garante direitos a partir da constituiç­ão de poderes, eleições e legislação a ser cumprida. Perder esses pilares é cair no autoritari­smo. E o abismo é fundo, todos nós sabemos.

Portanto, cuidado com as provocaçõe­s políticas que vão se transforma­ndo em divisionis­mo e ódio latentes. Cuidado com governos que apostam em fraudes imaginária­s, na manipulaçã­o das massas, na liderança demagógica, insuflando a raiva contra a imprensa e as instituiçõ­es democrátic­as. Esses são princípios do fascismo, é histórico!

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Marco Jacobsen

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