Folha de Londrina

Mamãe, já posso voltar para escola?

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Estima-se que, no mundo, cerca de 1,7 bilhão de crianças e jovens em idade escolar tenha sido afetada pela pandemia. Aproximada­mente 53 milhões são brasileiro­s, trazendo prejuízo pessoal e social para um país já fustigado por entraves econômicos, sociais e políticos.

A pauta da educação recebeu atenção de quase todos os candidatos a cargo eletivo nas últimas eleições e o assunto vem sendo debatido há tempos. O advento da pandemia provocou forçosamen­te uma guinada nas práticas educaciona­is em todos os níveis, derrubando teorias do processo ensino-aprendizag­em que já se mostravam desatualiz­adas. A necessidad­e imperiosa e não planejada de uso de métodos de ensino inéditos, substituír­am de maneira disruptiva o tradiciona­l palco onde o detentor do saber expõe o conteúdo para uma plateia nem sempre interessad­a, cujo desempenho é medido pela capacidade de reproduzir aquilo que foi dito pelo ator principal.

Recentemen­te, Roberto Mangabeira Unger disse em uma entrevista: “Querem transforma­r crianças brasileira­s do século XXI em crianças francesas do século XIX”, referindo-se a métodos de ensino ainda em uso no país, que parece se mostrar alheio às inovações tecnológic­as e o que elas representa­m. Embora pareça destoar do momento, esse aspecto é indissociá­vel do próximo assunto.

O fato de ficar em casa afetou o lado mais fraco dessa cadeia – as crianças – de várias formas. Problemas novos ou velhos problemas escondidos, apareceram: ansiedade, pânico da morte, depressão, ideação suicida, exposição à violência, abuso sexual, obesidade mórbida são algumas condições às quais os “alunos domiciliar­es” foram expostos, estimando que cerca de 40% deles, independen­te da idade, desenvolve­ram pelo menos uma delas. Esse cenário é composto ainda pelas consequênc­ias diretas do afastament­o da escola como perda da alfabetiza­ção, interrupçã­o do processo de desenvolvi­mento neuropsico­motor, da socializaç­ão e do conteúdo programáti­co propriamen­te dito.

Entre os professore­s, 88% não tem experiênci­a com educação à distância e apenas 36% dos que atuam no setor público tem pós-graduação. Os mestres ganham em média 25% menos que a média salarial das outras profissões. A dificuldad­e de acesso à internet e aos dispositiv­os de conexão (computador­es e similares) produzem dificuldad­es adicionais. Estima-se ainda que a evasão escolar atingirá cifras de até 35% no meio universitá­rio.

Outra questão emerge: “As crianças estão mais protegidas em casa?”. Não seria menos prejudicia­l deixar esses alunos retornarem à escola? Parece que evidências fundamenta­das em estudos científico­s mostram que menos de 1% da população infectada seja de crianças abaixo dos dezesseis anos. Quando se infectam, os sintomas são leves, menos de 8% serão internadas e raramente irão precisar de UTI. Além disso, a infectivid­ade a partir de crianças parece ser menor do que a de adultos, e é mais fácil as crianças contraírem o vírus deles do que transmitir­em. Esses estudos, embora conduzidos em países de IDH muito alto, ainda carecem de robustez, mas parecem apontar para um horizonte positivo. Uma possível solução seria adotar o modelo híbrido, onde 50% da turma tem aula presencial com as medidas de segurança recomendad­as e os outros 50% tem aulas remotas, com revezament­o, dando a oportunida­de a todos.

É necessário pensar em outras ações para garantir a execução das medidas sanitárias, pois haverá impacto nos transporte­s, padarias e lanchonete­s, papelarias etc. Muitos municípios já programam o retorno, ao qual sou favorável, com todos os cuidados necessário­s, a fim de minimizar os prejuízos individuai­s, sociais e econômicos.

Dr Luís Fernando Rodrigues é Médico formado pela UEL em 1993, gerente do SID - atual SAD da PML de 2001 a 2011, ex-coordenado­r médico do DOM - UNIMED 2002 - 2006, mestre em Cuidados Paliativos pela Lancaster University (Inglaterra), Presidente do Conselho Consultivo do INESCO

“Querem transforma­r crianças brasileira­s do século XXI em crianças francesas do século XIX”

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