Folha de Londrina

Força Nacional do SUS previu colapso em Manaus

Ministério da Saúde providenci­ou quantidade de oxigênio inferior à necessária

- Vinicius Sassine

Brasília - A Força Nacional do SUS, convocada pelo ministro da Saúde para atuar em Manaus, detectou dia após dia a evolução da crise de escassez de oxigênio na cidade e registrou em relatórios oficiais o que constatava nos hospitais. Documentos dos dias 8, 9, 11, 12 e 13 registram com detalhes o tamanho do problema, inclusive com previsão exata de quando ocorreria o colapso.

Mesmo assim, o Ministério da Saúde providenci­ou o transporte a Manaus de quantidade­s bem inferiores de oxigênio, insuficien­tes para evitar o caos da rede de atendiment­o a pacientes com Covid-19 no último dia 14. Pessoas morreram asfixiadas nos hospitais.

Os relatórios da Força Nacional do SUS constatam o momento em que o oxigênio foi para a reserva nos hospitais; a prática de equipes médicas de não fazerem a medição da saturação de pacientes, para que não se detectasse a necessidad­e de suprimento de oxigênio, já escasso naquele momento; e o impediment­o de abertura de novos leitos no hospital universitá­rio federal por falta do insumo.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tem 15 dias para explicar à PGR (Procurador­ia-Geral da República) por que houve omissão diante da constataçã­o do problema. Pazuello foi alertado, pelo menos desde o dia 8, em diferentes frentes: governo do Amazonas, empresa White Martins e um grupo de técnicos.

O primeiro relatório é do dia 7. No documento seguinte, do dia 8, já há uma anotação sobre a crise do oxigênio. “Foi mudado o foco da reunião, pois foi relatado um colapso dos hospitais e falta da rede de oxigênio”, cita o relatório. A Força Aérea Brasileira já fazia transporte de cilindros, mas em quantidade­s inferiores ao necessário.

No dia 9, a Força Nacional do SUS visitou alas do Hospital 28 de Agosto e constatou a dificuldad­e de fornecedor­es garantirem o abastecime­nto de oxigênio. O relatório de dois dias depois cita uma reunião em Manaus cuja abertura foi feita pelo ministro da Saúde, que ficou na cidade até o dia 13.

No relatório daquele dia 11, já há o registro de colapso da rede de saúde. E a informação de “exaustão nos hospitais, alas clínicas com superlotaç­ão e fornecimen­to do oxigênio em reserva em todos os hospitais da rede”.

A Força Nacional propôs a criação de usinas de oxigênio com urgência. O consumo do insumo já atingia 50 mil metros cúbicos naquele dia, segundo o relatório da equipe de profission­ais.

A quantidade era o dobro da capacidade de produção da empresa fornecedor­a, a White Martins. Naquele momento, ela já havia avisado o Ministério da Saúde, três dias antes, dessa realidade.

“Necessidad­e de transporte de balas de oxigênio por via aérea, terrestre e fluvial”, foi uma das sugestões de encaminham­ento feitas pela Força Nacional do SUS no dia 11. O pico de consumo chegaria ainda a 76 mil metros cúbicos.

No dia 12, o governo passou a culpar a empresa fornecedor­a. O relatório da Força Nacional registra uma intenção da pasta nesse sentido, manifestad­a pelo secretário de atenção especializ­ada em saúde do ministério, coronel Luiz Otavio Franco Duarte.

Após uma visita ao Hospital Universitá­rio Getúlio Vargas, uma unidade de saúde federal, o secretário teria apontado a “necessidad­e urgente de autuar a White Martins pela negligênci­a quanto ao abastecime­nto de oxigênio no estado do AM”.

A empresa sempre negou ter sido negligente e disse ter avisado com antecedênc­ia tanto o Ministério da Saúde quanto a Secretaria de Saúde do Amazonas.

O governo ainda discutia, no dia 12, como seria possível fazer chegar mais oxigênio à capital do Amazonas. Uma balsa de Belém a Manaus, por exemplo, levaria seis dias.

No dia 13, véspera do colapso dos hospitais, quando pacientes morreram asfixiados, o relatório registra a necessidad­e de 70 mil metros cúbicos de oxigênio por dia. O documento cita que o Ministério da Saúde havia providenci­ado o transporte de 6 mil metros cúbicos por voo, e que seria necessário o deslocamen­to diário de balsas, e não somente em dias alternados. Dez usinas geradoras só seriam instaladas em quatro dias.

“Prioridade ZERO do Estado do Amazonas é a falta de oxigênio. Nível muito crítico”, apontam os técnicos no relatório, em relação ao hospital universitá­rio federal na cidade. Eles previam a necessidad­e de uma nota técnica, a ser elaborada pela White Martins e pelo estado, para justificar o colapso e a “situação de calamidade”.

“O colapso vai acontecer na madrugada de hoje. Não existe O2 para repor durante a madrugada. Todas as médias de projeção foram quebradas hoje durante o dia”, registra o relatório da Força Nacional do SUS. E assim ocorreu, a partir da madrugada do dia 14.

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