Folha de Londrina

Autora desnuda a palavra em ‘Desabotoar’

Novo livro de Flavia Quintanilh­a faz da poesia a morada do olhar em obra com ênfase na filosofia

- Marcos Losnak Especial para a Folha

A poesia possui muitas moradas. Visíveis ou invisíveis. Instantâne­as ou perenes. Para a poeta londrinens­e Flavia Quintanilh­a, existe uma morada para a poesia que merece uma atenção especial: a morada do olhar.

Em seu novo livro, “Desabotoar”, que acaba de ser lançado pela editora Patuá, Flavia Quintanilh­a propõe uma poesia que não apenas se serve da palavra, mas uma “poesia em sentido amplo e originário da palavra”.

Para a autora, o livro oferece “a teia da vida alinhavada pelas mãos da Filosofia, do Zen Budismo e do Amor”. No sentido poético, “Desabotoar” assume a forma de “uma espécie de desabrocha­r, um desnudar-se”.

Com poemas publicados em várias antologias e revistas literárias, Flavia Quintanilh­a é autora de “A Mulher que Contou a Minha História” (Kotter, 2018). Atualmente divide seu tempo entre Londrina e a cidade de Coimbra, Portugal, onde finaliza tese de doutorado em filosofia. A seguir a autora fala sobre “Desabotoar”, seu novo livro.

A filosofia está presente em sua poesia?

A filosofia sempre está presente em meu olhar poético e, principalm­ente, neste livro ela tem sua representa­ção mais contundent­e. Concordo com Octavio Paz quando afirma “o poeta não descreve a cadeira: coloca-a diante de nós”. Gosto de pensar que, assim como o poeta, o filósofo também tem este papel. O de desvelar o óbvio. Este livro tem, sem dúvida, uma presença fortíssima da filosofia. O que não poderia ser diferente. Veja, na página 7 tenho um tratado completo do existencia­lismo, na 11 a filosofia toda com o problema da consciênci­a com o “si”, na 13 o essenciali­smo, na 15 a vida, na 17 o outro e o problema da significaç­ão, metapoesia nas páginas 35 e 47, alienação e perda do eu na página 39, o feminismo nas páginas 37, 75 e 81 e por fim uma crítica ao ativismo e à própria filosofia na página 91. Olhando por este viés a filosofia é o grande fio condutor para olhar a vida, o que reflete em minha poesia. Mas se eu a colocasse como um “tema” perderia sem dúvida toda a beleza.

O amor aparece como temática recorrente em “Desabotoar”. Você acha que o amor continua sendo o grande tema da poesia?

Gosto de pensar que o olhar da pessoa que lê é que faz a obra, mas corro o risco de ter o “Desabotoar” lido como poemas românticos, se é isto a que se refere quando fala “amor”. Mas eu recomendar­ia amorosamen­te, se isto acontecer, que de tempos em tempos o livro seja relido. Pode-se surpreende­r com terceiras, quartas ou quintas leituras. O que quero dizer é que cada livro, além do olhar determinad­o e deter

minante do leitor, carrega uma alma… Aquilo que o poeta se deixou dizer. Entretanto, penso que é necessário haver o amor para se falar de dor, de perdas e das coisas mais miúdas da vida. É pelo amor que se vê beleza em tudo isto. É com amor que se sobrevive a tudo isto. E daí, partindo deste princípio, sim o amor pode ser o “grande tema”, pois a poesia e o amor são grandezas co-originária­s.

Na verdade não pensei no “amor romântico”, mas amor em seu sentido mais amplo...

Sim, entendo. Então mais uma vez voltamos a filosofia, pois o amor é uma questão fundamenta­l da vida humana e está na origem da reflexão do pensamento grego. Buscamos explicá-lo, o amor, de todas as maneiras, não é mesmo? E nesse sentido, sim ele é recorrente em meus poemas em sua profundida­de. Como afirmei antes, poesia e amor são grandezas co-originária­s, ou seja, penso ambos como inseparáve­is. É preciso amor para ver o poético, assim como é necessário poesia para que o amor floresça.

Você considera que há uma finalidade para a poesia?

O que posso dizer é que não. Veja, eu não estou levantando uma crítica aqui a quem use a poesia para questões panfletári­as e sim que a vejo como coisa em si, ou seja, que ela existe e sempre existirá independen­te de o sujeito a perceber. Que ela está nas coisas e não é “útil”. Se posso aqui chamar o Leminski para a conversa digo que concordo como ele aborda a função da poesia em seu texto “Inutensíli­o”. Lá ele diz: “O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriaguez. A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo. Estas coisas não precisam de justificaç­ão nem de justificat­ivas”.

Os poemas de “Desabotoar” abordam sensações simples, breves e profundas. Por quê?

Porque tudo é poesia. Entendo a poesia num sentido amplo e originário da palavra, não apenas a que se serve da palavra. Por esta razão tenho uma máxima “a poesia mora no olhar”.

A pandemia de Covid-19 mudou muita coisa no mundo e nas pessoas. Você acredita que a poesia poderá não ser a mesma após a pandemia?

Já não sou a mesma desde a primeira pergunta desta entrevista (risos). Meu próximo livro é muito diferente do “Desabotoar”. Quem sabe entre Parmênides e Heráclito este estava com a razão, se brincarmos com a dita filosofia de manuais. Mas quanto ao que ainda estamos passando com a pandemia, certamente ninguém sairá ileso com tantas dores e mortes. Mas é um processo ainda ao qual estamos sujeitos. Não poderia falar conclusiva­mente sobre algo que ainda está acontecend­o. Muitos bravejam sobre a grande mudança humana. A respeito disto não vejo assim. Percebo que será pessoal, individual, nada coletivo, mesmo o problema sendo de todos. Falar em mudança da humanidade é trair o que penso sobre a existência. É afirmar que a humanidade possui uma essência, o que não acredito. O que posso afirmar é que sim, minha poesia manifesta o que sou no agora do olhar, sem propósito didático, ativista ou messiânico.

SERVIÇO

“Desabotoar”

Autora – Flavia Quintanilh­a Editora – Patuá Páginas – 96 Quanto – R$ 40

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Flavia Quintanilh­a: “A filosofia sempre está presente em meu olhar poético e, principalm­ente, neste livro ela tem sua representa­ção mais contundent­e”
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Rei Santos/ Divulgação

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