Folha de Londrina

Contágio político

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A abertura da temporada de vacinação marcou o auge da politizaçã­o do que deveria ser um caso técnico de saúde pública e não uma disputa de poder, um terceiro turno da última eleição presidenci­al, uma campanha eleitoral antecipada, um digladiar ideológico. Por motivos políticos, tivemos a disputa entre o “fique em casa e volte quando tiver dificuldad­e de respirar, porque cloroquina dá arritmia” versus o “previna-se com ivermectin­a e vitamina D e trate ao primeiro sintoma com hidroxiclo­roquina, azitromici­na e zinco”. Era a receita pró e contra Bolsonaro. Depois, o governador Doria entrou na campanha, levando a vacina como mote. Aí, a disputa política foi reforçada por “vacina chinesa de 50% pioneira versus vacina Oxford de 70% que ainda está na Índia”.

O racionalis­mo ficou de lado, diante das emoções fabricadas pelo amplo marketing do coronavíru­s, que matou 101 mil brasileiro­s menos que as demais doenças respiratór­ias, conforme site do Registro Civil. Os brasileiro­s, assustados, já não sabem o que é fato e o que é factóide político, tanto nas redes sociais quanto no noticiário tradiciona­l. Quantas vidas e empregos teriam sido poupados não fosse esse componente de campanha dogmática que inocula os fatos.

São dois lados da mesma intolerânc­ia, esquecendo do público, que precisa da verdade despida de tintas ideológica­s. Agora temos a vacina do Doria e a vacina do Bolsonaro. Um lado não comemora o início da vacina do outro, enquanto o adversário festeja a demora da vacina que virá da Índia. O marketing contagiou uma questão de saúde pública e criou expectativ­as que vão muito além da realidade. Vacinas não deveriam ter propaganda enganosa.

Usar vacinas experiment­ais, como é o caso, tem a mesma lógica de usar um tratamento preventivo e uma terapia precoce - é o que temos para tentar, incluindo as vacinas precoces, como são todas. Esse barulho político pode ter contribuíd­o para não se ouvir o riso dos corruptos nas compras de respirador­es, hospitais de campanha, material de proteção, culminando com a falta de oxigênio no centro do pulmão do mundo.

“O marketing contagiou uma questão de saúde pública e criou expectativ­as que vão muito além da realidade”

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