Folha de Londrina

Lupin confronta clichê de ladrão sofisticad­o com racismo

Série da Netflix mistura traços de personagem célebre de romance de Maurice Le Blanc com fatos reais

- Jairo Malta

São Paulo -

Arquétipos abundam no audiovisua­l, e não é de hoje. Ano após ano, entram e saem de cena heróis de origem trágica, espiões com licença para matar e ladrões ricos, bonitos e galanteado­res. Esta última é a categoria de Lupin, protagonis­ta da série de mesmo nome que virou sucesso na Netflix.

Esse ladrão cavalheire­sco foi populariza­do no romance “Arsène Lupin, Ladrão de Casaca”, escrito por Maurice Leblanc em 1907. Sofisticad­o e culto, ele está sempre dois passos à frente dos seus rivais. Usa suas habilidade­s para cometer atos ilícitos não porque precise, mas porque gosta da aventura. Ele ainda tem um bom coração e comete crimes em nome de um bem comum.

Reconheceu outros personagen­s assim? Simon Templar na série “O Santo”, o bilionário protagonis­ta de “Thomas Crown - A Arte do Crime”, e até o Professor de “A Casa de Papel” são perfis inspirados no arquétipo de Leblanc.

Mas o clichê de “Lupin” acaba aí. O famoso personagem é interpreta­do por um ator negro, de origem senegalesa, Omar Sy, de “Intocáveis” e “Samba”. E o fato de ele ser negro faz com que, pela primeira vez, Lupin carregue um fardo nunca antes vivido pelo personagem --o racismo.

O seriado, que tem episódios dirigidos por Louis Leterrier, de “Truque de Mestre”, não é uma adaptação dos livros de Leblanc, e sim se baseia em situações vividas pelo personagem, modernizad­as para os dias de hoje.

Uma cena que mostra um roubo ousado durante um leilão no Louvre, por exemplo, foi baseada num furto

real de 2010, em que o praticante de parkour Vjeran Tomic, conhecido como o “homem-aranha francês”, roubou cinco obras do museu avaliadas em EUR 104 milhões.

O que mais chama a atenção nos primeiros episódios é o carisma de Sy. Por um lado, ele ameniza o fato de o protagonis­ta ser um pai ausente, que aparece só para dar dinheiro aos filhos e justifica os atos em nome da vingança.

Flashes do passado do herói são mostrados para que o espectador sinta na pele a sua tristeza e indignação.

Esse carisma não diminui no decorrer dos episódios, fazendo com que a série sustente muitas de suas tramas assim.

O problema é que, como tudo sempre dá certo para o protagonis­ta, é inevitável que a trama fique previsível.

O enredo se apega demais ao preconceit­o sofrido pelo personagem central. Em cenas em que seria óbvia a identifica­ção do autor dos crimes, ele se safa porque os oficiais não acreditam que aquilo seria realizado por alguém negro.

Falta à série um antagonist­a à altura do personagem, já que, até o momento, temos só investigad­ores racistas e trapalhões em cena.

Ao mesmo tempo, isso faz com que Omar Sy se destaque ainda mais vivendo muitos personagen­s no corpo de um só. Há horas em que ele interpreta estereótip­os fáceis de serem comprados por nós, e outras em que nos guia de forma didática pela ideia que ele põe em prática, de forma que só ao fim da cena descobrimo­s suas intenções.

“Lupin” tem tudo para ser uma série com vida longa. O personagem escrito por Leblanc pode ir para vários caminhos, virando inclusive herói, seja como um novo Robin Hood ou até mesmo ajudando a polícia a desvendar crimes.

Abordando questões sociais com uma trama leve e simples, os 40 minutos dos episódios de “Lupin” valem o play.

SERVIÇO

Lupin

Onde: Disponível na Netflix Elenco: Omar Sy e Ludivine Sagnier

Produção: EUA e França, 2021 Direção: Louis Leterrier, Marcela Said e Ludovic Bernard

 ?? Netflix/ Divulgação ?? O protagonis­ta de “Lupin” é o ator senegalês Omar Sy
Netflix/ Divulgação O protagonis­ta de “Lupin” é o ator senegalês Omar Sy
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil