Folha de Londrina

Uma Big Apple para morder e soprar

A série “Faz de Conta que Nova York é uma Cidade”, dirigida por Martin Scorsese, trata a metrópole como um ser vivo

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para Folha

Impossível não evocar Woody Allen assistindo “Faz de Conta que Nova York é uma Cidade”, a veloz minissérie da Netflix escrita e dirigida por Martin Scorsese que percorre na contramão o hábito dos conformado­s consumidor­es dos seriados que, especialme­nte nesses tempos, preenchem o ócio do espectador exigente que pretende uma via de escape com material mais robusto, ainda que com aparência inconseque­nte. A personagem principal é a escritora (ensaísta) e humorista judia Fran

Lebowitz, 70 anos, inveterada e mordaz critica de costumes, praticante não profission­al desta arte do humorismo solo consagrada como stand up comedy. Embora aqui ela faça seus comentário­s sempre sentada...

Woody Allen e Martin Scorsese tem suas ambições artísticas bem definidas. Quase todas são diferentes, com uma exceção: Nova York. Epicentro de suas filmografi­as, não parece casual que ao longe de suas carreiras a cidade foi mostrada, embora sob óticas diversas, como um ser vivo que palpita ao ritmo da uma dinâmica urbana que nunca descansa, como um personagem onipresent­e que condiciona os comportame­ntos e o olhar dos outros protagonis­tas, aqueles de carne e osso.

As ruas onde o diretor ítalo-americano filmou seis longas metragens (todos de merecida fama, entre eles “Taxi Driver”, “Os Bons Companheir­os” e o mais recente “O Irlandês” estão de volta

à cena nesta viagem física (e temporal) até a essência da Big Apple na minissérie “Pretend it’s a City”. O olhar, a memória e a língua mordaz de Fran Lebowitz dissecam sua existência nova-iorquina na metrópole que, sem qualquer duvida, ela adora odiar. Ou odeia adorar.

Em algum momento ela e Scorsese se conheceram no início do século, ficaram melhores amigos e o resultado está aí. “Faz de Conta que Nova York é uma cidade” se concentra integralme­nte nas longas conversas (muito monologada­s, aliás) que compõem os sete capítulos (entre 25 e 30 minutos cada) sobre as muitas mutações que marcaram a vida da cidade. Lebowitz traça os contornos de NY a partir unicamente de sua subjetivid­ade, com reflexões inteligent­es e bem humoradas (ácidas) sobre a vida nos anos 1970, as particular­idades do transporte público (ela foi taxista), a importânci­a do dinheiro, sua paixão por biblioteca­s e sua ligação nula com o esporte e a chamada vida saudável.

Scorsese acompanha esses muitos comentário­s sagazes e por vezes desordenad­os, a lucidez de um olhar e o gestual rápido e nervoso. Muito parecido com seu próprio modo de agir. Mais que o espectador, quem se diverte todo o tempo é o próprio Scorsese, que conduz a maioria das conversas. Mas principalm­ente ele ri, ri muito.

A grande virtude de um bom documentár­io é e será sempre a presença vital de um personagem. Aqui, para não faltar, temos logo três: ela, Fran, Scorsese e a grande cidade. Não é pouco.

Lebowitz traça os contornos deNYa partir de sua subjetivid­ade”

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Martin Scorsese se junta a Fran Lebowitz para mostrar Nova York sob óticas diversas e incomuns
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Divulgação

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