Folha de Londrina

A base do sofrimento

- Sylvio do Amaral Schreiner

As pessoas estão constantem­ente consciente­s de seus sofrimento­s. Aquelas que estão sozinhas sofrem por se sentirem solitárias, enquanto aquelas que estão num relacionam­ento sofrem justamente por estarem num relacionam­ento. Não é assim? Aquelas que estão sem dinheiro sofrem pela carência material, mas aquelas que têm dinheiro também sofrem para manter o dinheiro e ficam muito ansiosas. Aquelas que estão desemprega­das sofrem por não terem um trabalho, enquanto aquelas que estão empregadas sofrem porque no trabalho ocorre toda uma série de situações que as aborrece. O sofrimento está em todos os lugares e situações. As pessoas estão sempre reclamando, salvo raras exceções. Pensando nisto, fica a questão: qual será a base do sofrimento humano?

Como todos sabem, o ser humano é de uma complexida­de tão grande que responder a essa questão de forma simplista seria um grande engano, mas refletindo sobre a base do nosso sofrimento vemos o quanto sofremos porque, na verdade, não nos permitimos viver. Estamos sobreviven­do, contudo, isso é bem diferente de estar vivendo de fato. Ainda não aprendemos a viver como humanos. Estamos num lugar meio perdido entre animal e humano. Sim, todos nascemos animais, mas temos a chance de nos tornar humanos. A humanidade, ao contrário do que muitos imaginam, não acontece por si só, é uma construção interna. Se ficamos no meio do caminho entre o animal que nascemos e o humano que podemos vir a ser, ficamos no limbo. O significad­o de limbo no dicionário é “bordo, extremidad­e ou estado de indefiniçã­o”. Em outras palavras, não se está em lugar nenhum, é algo sem forma. Como se pode imaginar, não é possível viver nesta posição. Nela só há sobrevivên­cia e nesta não se pode viver integralme­nte, só parcialmen­te. A grande maioria das pessoas está vivendo apenas parcialmen­te.

O problema de se viver parcialmen­te é que não atingimos nossa totalidade, não atingimos nosso mundo mental. Podemos até atingir intelectua­lidade, mas intelecto e vida psíquica são bem diferentes. É muito comum, aliás, encontrar pessoas intelectua­lmente bem desenvolvi­das, mas que vivem muito mal, sem qualidade alguma, sem prazer nenhum. Quem está no meio do caminho entre o mundo mental primitivo e o mundo mental desenvolvi­do fica com um pé aqui e outro acolá, sempre temendo perder o equilíbrio. Essas pessoas conseguem desenvolve­r a fisicalida­de e algumas o intelecto, mas não acessam o próprio mundo mental. Essas pessoas sobrevivem buscando prazeres conhecidos, como tentar ser feliz através do dinheiro, do sexo, das drogas, dos títulos acadêmicos, etc., mas tudo isso acaba sempre no mesmo lugar: insatisfaç­ão.

Não que algumas dessas coisas não sejam boas e não tragam prazer, mas a vida não é só isso e nem a felicidade se dá através disso. Há muito mais a ser vivido. O que? Bom, para isso é necessário cada um se permitir descobrir o que está além, o que podemos experiment­ar quando vamos cada vez mais nos tornando o humano que podemos vir a ser. Essa experiênci­a tem que ser vivida, não é para ser explicada. É um caminho que cada um tem que decidir tomar. Porém, posso dizer que quem vive mais integralme­nte não sofre tanto, ou melhor, sabe lidar mais eficientem­ente com o sofrimento.

mundovivo@folhadelon­drina.com.br

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