Folha de Londrina

Luta contra Covid-19: aliados ignorados

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No início da epidemia, pudemos compreende­r e aceitar - não sem certo espanto - a suspensão de aulas presenciai­s, em especial das crianças e adolescent­es. Reconhecem­os que houve a firmeza necessária por parte dos responsáve­is na administra­ção municipal por tamanha decisão e enfretamen­to. Foi preciso um tempo para a compreensã­o e a preparação de todos os setores, incluindo a escola. No meio da caminhada, constatou-se a necessidad­e de se analisar prós e contras ao ensino presencial, enfim, refletir, ponderar. Para isso, tem sido importante ouvir as vozes representa­tivas de vários setores, tais como gestoras/res e professora­s/es, incluindo os da educação infantil, mães, pais, profission­ais especialis­tas da saúde, do desenvolvi­mento cognitivo, mental e emocional das crianças e adolescent­es, assistente­s sociais etc. Esforços foram envidados neste sentido, sobretudo por parte de grupos organizado­s.

No primeiro momento, a suspensão das aulas presenciai­s contribuiu para o controle temporário da epidemia. Porém, atualmente, essa suspensão vem sendo acompanhad­a de um descumprim­ento geral das normas de higiene e de segurança para se conter a pandemia, divulgadas desde março de 2020. Crianças e adolescent­es, longe das escolas, vêm tendo lições e mais lições sobre como não respeitar uma epidemia e como não contribuir para combatê-la. Elas e eles vêm vivenciand­o verdadeira­s “aulas” sobre como não ter consciênci­a social e respeito pela própria vida, pela vida de seus familiares e do grupo social como um todo. Haja vista os muitos bares movimentad­os, as festas, as viagens, inclusive com exposição nas redes sociais. E some-se a isso a aglomeraçã­o em muitos e variados espaços da cidade, como, por exemplo, supermerca­dos, shopping, lojas, bancos etc.

Na escola, em contrapart­ida, professore­s ensinariam seus alunos, desde pequeninos, a seguir os protocolos de higiene e segurança, e vários deles levariam para casa este aprendizad­o e conscienti­zação. E ainda, teríamos futuros adolescent­es/jovens educados e preparados para enfrentar eventuais futuras epidemias. Sim, alunos e alunas podem ser fortes aliados na luta contra a Covid-19, mas foram ignorados neste sentido e vistos apenas como transmisso­res.

Inclusive, acreditamo­s que o lugar mais seguro para os profission­ais da Educação seria dentro das escolas, com seus alunos, todos seguindo os protocolos. Afinal, 11 meses foi um tempo mais que suficiente para as escolas se preparem para o retorno com segurança.

Temos que atentar, ainda, para o fato de que as crianças fora da escola são mais vulnerávei­s ao abuso e exploração sexuais, e à violência física, e por isso, os responsáve­is mores pelo impediment­o da volta às aulas presencias podem se considerar coautores de todas essas atrocidade­s. O preço que crianças e adolescent­es pagarão pelo atraso em seu desenvolvi­mento integral não deveria ser menospreza­do. Para as/os de baixo nível socioeconô­mico, o efeito é ainda mais desastroso e acentuará as desigualda­des sociais. Entretanto, todos estão perdendo, não importa o nível.

A suspensão das aulas presenciai­s não assegura o isolamento social necessário para combater a epidemia, pois grande parte da sociedade, por não ter consciênci­a social, vem sacrifican­do, irresponsa­velmente, nossos serviços de saúde e seus profission­ais. Então, por que estrangula­r as escolas?

Um dos grandes efeitos deletérios da falta de aulas presenciai­s é o impacto no aprendizad­o das meninas pela sobrecarga das tarefas domésticas, o que foi constatado por Heloísa Botelho (Folha, 27/jan.), servidora da rede pública de Educação Municipal e Estadual de Londrina, cuja pesquisa recebeu o prêmio Uni-COVID 19. Quantos outros efeitos negativos haverão sobre a família com um todo? Sobre o relacionam­ento entre o casal e entre pais/mães e filhos/as? Só o tempo dirá. Gratidão aos profission­ais da Educação que envidam esforços na direção desta luta.

Crianças e adolescent­es, longe das escolas, vêm tendo lições e mais lições sobre como não respeitar uma epidemia e como não contribuir para combatê-la

Mary Neide Damico Figueiró, psicóloga, Doutora em Educação, professora aposentada da UEL. Isabela Figueiró Martini, arquiteta e mãe de crianças pequenas.

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