Centenas protestam contra militares em Mianmar
Militantes fizeram o maior ato de resistência desde o golpe militar de 1° de fevereiro
São Paulo - Centenas de pessoas organizaram nesta sexta-feira (5) o maior ato de resistência em Mianmar desde que os militares interromperam a ainda embrionária transição democrática, deram um golpe de Estado e assumiram o poder. Expressando o desejo de que a tomada de poder fracasse e seja revertida, o grupo formado por uma maioria de professores e estudantes se reuniu em frente à Universidade de Rangoon, a maior cidade do país.
Os manifestantes cantaram uma música que se tornou popular durante a revolta de 1988, quando mais de 3.000 mianmarenses foram mortos pela violenta repressão do regime militar aos protestos de rua. O grupo também adotou como símbolo o gesto de unir três dedos da mão, que vem da franquia de livros e filmes “Jogos Vorazes” e é usado como demonstração de agradecimento, admiração e despedida de alguém amado. Na vida real, a mesma saudação foi usada em protestos em Hong Kong e Tailândia.
“Enquanto [os militares] conservarem o poder, não vamos trabalhar. Se todos fizerem isto, o sistema vai cair”, declarou à agência de notícias AFP o professor Win Win Maw. Os professores e estudantes universitários representam a mais recente adesão ao movimento de desobediência civil, que começou entre os profissionais de saúde, espalhou-se entre alguns setores remanescentes do governo prégolpe e ganhou o apoio formal do partido dos líderes depostos.
Médicos, enfermeiros e outros funcionários de mais de 70 hospitais públicos e departamentos médicos de 30 cidades pararam de trabalhar. Servidores de vários ministérios também interromperam temporariamente suas atividades.
Muitos dos que continuam trabalhando têm usado fitas vermelhas nos uniformes para marcar a oposição ao regime militar. A cor é uma referência à Liga Nacional pela Democracia (LND), partido que obteve vitória esmagadora contra a legenda apoiada pelos militares na eleição de novembro e que declarou apoio formal à campanha de desobediência civil.
Em comunicado, a LND classificou o golpe militar e a detenção da conselheira de Estado, Aung San Suu Kyi, como ações inaceitáveis. O partido também prometeu ajudar as pessoas presas ou demitidas por se oporem à tomada de poder. Desde a detenção de Suu Kyi, sob uma acusação obscua ra de violação de normas comerciais - ela teria importado ilegalmente seis walkie-talkies -, ao menos 150 líderes políticos foram presos, de acordo com a Associação de Assistência aos Presos Políticos, uma ONG com sede em Rangoon.
Em Mandalay, segunda maior cidade do país, outras 30 pessoas foram detidas por participarem de panelaços e buzinaços contra o regime militar. Segundo autoridades regionais citadas pela imprensa local, elas serão acusadas de violar uma lei que proíbe “causar barulho nas vias públicas”.
Além do significado político, prática de bater panelas também tem um significado espiritual para parte da sociedade mianmarense. “Estamos acostumados a fazer o máximo de barulho possível para expulsar os espíritos malignos de casas e vilas. Aqui os demônios são os militares”, disse Thinzar Shunlei Yi, que criou um grupo de desobediência civil após o golpe.
Na madrugada desta sextafeira, outro membro do alto escalão da LND foi preso pela junta militar em Rangoon. Win Htein, 79, um dos mais antigos assessores de Suu Kyu, foi levado da casa de sua filha pelas autoridades, segundo um porta-voz do partido. Ainda não foram informadas, entretanto, quais serão as acusações.
“Nunca tive medo deles porque não fiz nada de errado em toda a minha vida”, disse ele à agência de notícias Reuters, por telefone. Na quartafeira (3), durante entrevista à rádio francesa RFI, Htein afirmou que sabia que seria preso, mas que não estava preocupado por estar acostumado à luta pacífica. Ele já passou mais de 20 anos preso enquanto Mianmar esteve sob o comando dos militares.