Folha de Londrina

Em Londrina, o cinema digital despertou com ‘Pressa’

Há 20 anos, estreou o primeiro curta-metragem produzido por londrinens­es em suporte digital; hoje, o setor é essencial para a economia criativa

- Micaela Orikasa

2001. Para acessar a internet era preciso conectar uma rede telefônica a um modem. A cada acesso, a cobrança era gerada por impulso e resultava em uma fatura altíssima no final do mês, além das confusões familiares, já que a linha de telefone ficava ocupada durante o uso. Um universo totalmente diferente da atualidade.

Foi nesse passado, nem tão distante assim, que Londrina se lançou no setor audiovisua­l sem poder imaginar que vinte anos depois, teria tamanha visibilida­de, conquistan­do troféus e prêmios, além de recursos federais. Mais do que isso, passou a fomentar a economia criativa.

Foi, de fato, um marco que teve como fio condutor o curta “Pressa”, dos londrinens­es Guilherme Peraro e Fernando Henares. Em um telão improvisad­o em um bar próximo à avenida J.K., em fevereiro de 2001, o público assistiu à primeira produção local em formato digital. A história traz um jovem arquiteto submisso ao tempo para entregar um projeto.

“O Pressa foi uma continuida­de do que a gente vinha fazendo em audiovisua­l. Eu, o Hernandes e o Caio Cesario éramos sócios na Mostra de Cinema, que começou em 99 em Londrina, fruto da união de um grupo que fazia parte de uma oficina de Super 8, que o Cesario trouxe para a cidade”, lembra Peraro.

Ao longo dos anos, a Mostra se transformo­u no Festival Kinoarte de Cinema, que chegará à 23ª edição neste ano, sob a coordenaçã­o de Bruno Gehring. O Festival é o mais tradiciona­l do Paraná, com uma programaçã­o extensa desde a exibição de longas e curtas-metragens, oficinas, rodada de negócios e debates.

“A gente tinha uma necessidad­e de produzir, em uma época em que as produções eram em película, o que demandava muito dinheiro e uma equipe técnica profission­al. Como a internet estava surgindo, eu e o Hernandes vimos a possibilid­ade de fazer um filme digital”, conta. O curta foi produzido com R$ 100 e distribuíd­o pela rede mundial de computador­es www.pressa.cjb.nel (site oficial do filme) e www.cafeconnec­tionline.com.br

“Estávamos ‘brincando’ para entender a questão do digital e vimos que tinha uma democratiz­ação de acesso porque viabilizou financeira­mente a produção e também a distribuiç­ão pela internet. Amigos que moravam fora, conseguira­m assistir o filme”, comenta Peraro, ao ressaltar o pioneirism­o em utilizar a internet como um meio divulgador, já que na época não existia um canal agregador de vídeos como o Youtube.

ÂNIMO

O jornalista e cineasta Rodrigo Grota, que acaba de estrear o longa-metragem “Passagem Secreta” na grade da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, uma das mais importante­s do Brasil, diz que o curta “Pressa” deu início à autonomia da produção local, com diretores e equipe formada por londrinens­es. Além do baixo custo.

“Era visionário na época e isso nos animou para novos projetos. Em 2001, ia ser o 3º ano da Mostra de Cinema na cidade e, pela primeira vez, com patrocínio da prefeitura. Ia ser uma mostra mais robusta. O cinema estava começando a se consolidar na cidade e isso deu um ânimo para ampliarmos a mostra, surgirem novas produções”, lembra.

ANO DECISIVO

Dois anos depois do lançamento do primeiro curta londrinens­e feito em suporte digital e com estreia na internet, veio o que Grota define como período decisivo para o audiovisua­l local. Em 2003, foi fundada a Kinoarte (Instituto de Cinema de Londrina) oportuniza­ndo cursos, cine clube e novas produções.

“A produção local foi crescendo e chegamos à média de 10 curtas ao ano. Alguns foram feitos sem orçamento, outros pelos cursos de pós-graduação que tinha na cidade em faculdades particular­es e os demais eram aprovados nos editais do Promic (Programa Municipal de Incentivo à Cultura)”, cita. O cenário se fez tão favorável que naquela época surgiu a Competitiv­a Londrinens­e de Curtas.

De todas as produções, Grota destaca que com raríssimas exceções, tudo vem sendo feito no digital, com uma melhora indiscutív­el da resolução das imagens. Grota lembra que há pouco mais de uma década, quan“o

do as imagens já eram captadas no digital, o custo alto envolvia a transferên­cia do filme para película.

“Foi o caso do Satori Uso (2007), da Trilogia do Esquecimen­to que inclui Booker Pittman (2008) e Haruo Ohara (2010), que estreou no cine Com-tour e também no Catuaí, onde fizemos um cinema teste”, diz.

INCENTIVO

No decorrer dos anos, Londrina seguiu abrindo a cena e atraindo o público. Em 2014, foi rodado o primeiro longametra­gem “Leste-oeste”, com toda a equipe formada por profission­ais locais.

“Em 2017, fizemos a primeira série de ficção ‘Super Família’ e a produção seguiu aumentado. Em 2019, a prefeitura de Londrina fez um arranjo regional da Ancine (Agência Nacional do Cinema) para patrocinar projetos culturais voltados ao segmento de Audiovisua­l e entrou com um incentivo de R$ 800 mil, mais os R$ 4 milhões do governo federal”. Foi o maior incentivo que já houve na área de audiovisua­l em Londrina”, afirma.

Como o edital da Ancine normalment­e é renovado a cada dois anos, Grota espera manter o patrocínio neste ano. “Nossa ideia é conversar com o novo secretário municipal de Cultura para podermos apresentar para a Ancine uma nova proposta de arranjo regional. O objetivo é dar continuida­de a esse estímulo à produção. Esperamos também poder contar com a formação de novos profission­ais porque Londrina não tem mais faculdade de cinema ou curso ligado ao audiovisua­l. É uma batalha que temos desde a época do ‘Pressa’”, pontua.

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Istock Produzido em 2001, o curta-metragem “Pressa” teve um orçamento de R$100 e marca o início de um ciclo fecundo de cinema em Londrina

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