A Década perdida
A década de 2010 já está marcada como a de pior desempenho econômico e social da história brasileira. O ano de 2020 deve fechar com um recuo do PIB de aproximadamente 5%, o que equivale dizer que patinamos por dez anos, enquanto a economia mundial se expandiu 30% em média. Vale destacar que no período a população brasileira saiu de 190 milhões para os atuais 212 milhões, ou seja, em termos reais empobrecemos 8%.
Os três primeiros anos da década já apresentavam desaceleração, com crescimento médio do PIB de 2,7% ao ano, contra 4,0% da década anterior. Mas os problemas maiores foram sentidos a partir de 2014, quando fechamos o ano com crescimento praticamente nulo, atenuado socialmente por uma taxa de desemprego de apenas 4,8%. Os anos seguintes, 2015 e 2016 foram responsáveis por uma retração conjunta de 7% do PIB, com reflexos diretos na taxa de desemprego que subiu vertiginosamente para 11,5%.
Todo esse cenário foi perpassado por escândalos de corrupção na Petrobras, envolvendo o Governo Federal. O mal-estar generalizado deu pretexto para que o parlamento, capitaneado pelo então presidente da Câmara dos Deputados e hoje presidiário Eduardo Cunha, dessem um golpe que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff, assumindo o vice Michel Temer do mesmo partido de Cunha.
O ideário neoliberal marcou o novo governo, oposto ao que havia sido votado nas urnas, dando prioridade à redução do Estado, nomeadamente na esfera social. Aprovaram, em tempo recorde, a regra do teto de gastos, que proibiu o aumento de gastos públicos além da inflação do ano anterior, por um período de 20 anos, fato inédito no mundo. Foi aprovada uma reforma trabalhista com a promessa de gerar empregos, o que não se confirmou, deixando como legado a precarização da já combalida classe trabalhadora.
O balanço do governo Temer foi desastroso. Os anos de 2017 e 2018 trouxeram um crescimento conjunto próximo a 3% do PIB, com desemprego de 12,5%, além do aumento da concentração de renda, em que saímos da 13ª pior colocação mundial, para a 7ª pior.
Em 2019 chegou à presidência o ex-capitão do exército Jair Bolsonaro, revestido com o manto de salvador da pátria, seguido por um séquito de fiéis encantados com a sua pecha autoritária. Delegou, ou melhor, terceirizou a economia ao ultraliberal Paulo Guedes, declarando o seu total desconhecimento da área, o que acabaria por se verificar nas demais esferas.
Desde o início do mandato empreendeu um esforço em demonizar o Estado, entendendo-o como a principal causa dos problemas nacionais. Efetivou cortes em áreas essenciais, como educação, pesquisa, seguridade social, infraestrutura etc. O resultado foi um ‘pibinho’ de 1,1% em 2019, três vezes menor do que havia sido projetado pelo governo. O desemprego ficou na faixa de 12% e explodiu em 2020 para 14,6%, o pior número da história. A área ambiental foi mais um desastre, com queimadas e desmatamento recorde, negados ou relativizados pelo governo, tornando-se pária mundial. Enfraqueceu o ensino público, a cultura, a ciência e na saúde protagonizou o segundo maior numero de mortes decorrentes da covid 19 do planeta, com mais de 200.000 obitos, ou seja 10% do total do mundo, enquanto a nossa população equivale a 2,7% do planeta.
Mas de todos os indicadores nenhum é mais dramático do que ver o Brasil retornar ao mapa da fome, lista abandonada em 2013. Atualmente 10,5 milhões de pessoas passam fome no país, ainda que seja um dos três maiores produtores de alimentos do mundo. Este dado por si só, mostra que a sociedade não consegue se materializar como tal, pois sociedade pressupõe um corpo, em que o que afeta uma das partes impacta as demais, algo muito distante da divisão que nos marca como nação.
Luis Miguel Luzio dos Santos – Professor de Socioeconomia – UEL, autor do livro: Ética e Democracia Econôica:
caminhos para a socialização da economia
“(...) de todos os indicadores nenhum é mais dramático do que ver o Brasil retornar ao mapa da fome”