Nudes em profusão...
O procurador Orlando Martello, sobre as mensagens trocadas por aplicativo Telegram no grupo dos operadores da Lava Jato (aquelas que o sítio The Intercept pôs a nu e o então ministro da justiça, que hoje é Advogado em Washington DC, lavou em sua ilicitude originária com a operação Spoofing – ironia das ironias), teria dito tratar-se dos “nossos nudes’”, na medida em que acreditando estarem, de fato, protegidos por criptografia de ponta a ponta. Por isso asseverou e assumiu o fato de “podemos ter extrapolado muitas vezes; nossos ‘nudes’ constituem uma área em que os pensamentos são externados livremente e sem censura entre amigos”.
Vamos por partes, procurador, que não quero martelar idiossincrasias, tampouco vomitar ideologia – aqui e sobre vossa fala gostaria de pontuar uma situação e, sobre ela, lhe responder respeitosamente...
Em primeiro lugar, parabéns pela coragem de assumir a autoria das mensagens e não ficar naquele “cerca Lourenço” de não as reconhecer ou delas desacreditar em face da ilicitude...
Deveras, não há como não reconhecer mensagens que saíram de vossos celulares funcionais, na medida em que os aparelhos foram submetidos à perícia pela Polícia Federal, como manda o figurino, nos autos da operação Spoofing – ordenada pelo próprio ministro da Justiça de época e um dos interlocutores do grupo...
Em segundo lugar e já entrando no ponto, não nos trate como ingênuos (para não lhe ser deselegante e sustentar o óbice do trato imbecilizante); ninguém põe reparo nas intimidades – sinceramente a intimidade de vocês não nos pertence. É vossa e apenas vossa e por ela não há qualquer necessidade de responder ou ir ao Supremo para proteger o que está absolutamente protegido, quer pela Constituição, quer pela própria operação Spoofing...
A objurgação esgrimida por todo operador de direito do mundo civilizado, que tenha mais de um neurônio e não seja burro o suficiente para desconhecer que a terra é redonda, está posta em atenção aos postulados da dogmática e, neste limite, diz respeito ao conluio ilícito que se estabeleceu entre os procuradores (vossa Excelência tanto quanto) e o então juiz que julgava as causas que a operação produzia...
É do que estamos falando procurador e é deste tema que o New York Times falou quando retratou o “maior escândalo judiciário do mundo”.
Então, procurador, siga firme com os “nudes”, mas não olvides do que foi feito nos verões passados com nossa democracia, sob o lume mentiroso de um estado de direito que vocês, nem nos melhores momentos, respeitaram – antes o contrário: As mensagens revelam um lado oculto e sombrio da operação Lava Jato onde, sobre o patrocínio e tutela do então juiz federal que julgava os casos colhidos na teia armada, assaltaram o estado de direito, prostituindo a jurisdição que a democracia alberga.
É disso, afinal, que se trata: agir e seguir agindo com honra, dentro das balizas meandrais do estado democrático de direito e não feito uma milícia, que dispõe de direitos e solapa biografias para atingir os objetivos traçados...
Veja procurador; não há uma disputa por troféus na entrega da jurisdição, suposto que o prêmio seria a plenitude do exercício judicante per si, metaforizando a grandeza de julgar pela observação rigorosa dos limites legais traçados pelo legislador, em ordem a reconhecer e respeitar a tripartição dos poderes conforme a concebeu Platão e a desenhou Montesquieu...
Julgar não convive com trapacear a formação da culpa, tampouco na colheita dos elementos que antecede sua discussão. Julgar é se libertar do ônus terrível de pontuar para valorar a conduta do semelhante e, nesta medida, não se concebe sem uma dose suficiente de energia moral e empatia, em ordem tal que a deusa Themis não ousa se apresentar sem estar vendada...
E olha, procurador, não vou sequer pontuar o significado daquela balança para não lhe ser deselegante, devolvendo o gesto de grandeza que o Senhor teve no reconhecimento da autenticidade dos diálogos então mantidos.
Noves fora e na esperança de que amanhã siga sendo um outro dia, deixo uma observação para o futuro – esta alusiva aos nudes...
Na medida em que desde criança nós outros, os de caráter mínimo, fixamos o limite existencial que nos perseguiu pela vida, forte no conceito de que gente humilde e com defeito físico não poderia ser exposta à sangria ‘bullyingnista’ (à época chamávamos gozação), é favor a sua própria biografia não pactuar nudes com quem se refere a quem quer que seja como 9, notadamente se esta pessoa não é centroavante e padece da falta de um dedo na mão...
Isso considerado, segue sendo rematada hipocrisia e absoluta ignomínia, operadores do direito, notadamente procuradores e juízes, tratarem o devido processo como vocês fizeram na condução e julgamentos da operação Lava Jato. O verão passa, mas não perdoa seus detratores existenciais. O que se fez em nome e na conta do estado democrático de direito foi um crime sem precedentes e os criminosos estavam de toga...
Que vergonha!
João dos Santos Gomes Filho, advogado.