Folha de Londrina

Paraná perde jurista e professor da UFPR René Dotti

Criminalis­ta estava na ativa aos 86 anos e se destacou na defesa de acusados políticos durante a ditadura militar

- Guilherme Marconi

O advogado paranaense e professor de Direito René Ariel Dotti, 86 anos, morreu nesta quinta-feira (11) em sua residência, após uma parada cardiorres­piratória. Professor René - como gostava de ser chamado - é um dos mais reconhecid­os advogados penalistas do Brasil.

Nascido em Curitiba no Dia da República (15 de novembro de 1934), Dotti formou-se em Direito pela UFPR e começou a atuar na advocacia nos anos 1950. Ainda jovem advogado, teve papel de destaque na luta contra a ditadura militar, defendendo os perseguido­s pelo regime. Em recente entrevista ao jornalista José Wille, Dotti lembrou desses momentos. “Passei a defender os acusados políticos que eram meus amigos, meus companheir­os de redação, meus alunos e também meus professore­s. A mudança foi grande, do ponto de vista dos estereótip­os, que se modificava­m. Agora, o autor não era mais o acusado de um crime de homicídio, de um crime de estelionat­o, mas sim acusado de um crime contra a segurança nacional, que era algo imaginário, do ponto de vista do governo, do poder militar que se instaurou no país. E isso provocou em mim uma resistênci­a intelectua­l muito grande. Não provocou o temor, porque eu não me divorciei nunca das atividades de advogado”, respondeu.

O advogado foi autor do HC (habeas corpus) em favor de 20 jornalista­s presos pelo regime militar, entre eles, Luiz Geraldo Mazza e Cícero Cattani. “Ele era o mais jovem de todos advogados da OAB e muito brilhante a ponto de se destacar. Ele conduziu, orientou e interpelou o HC no Supremo Tribunal Federal. O caso ganhou repercussã­o nacional e passou a ser o advogado que socorreu jornalista­s perseguido­s pela ditadura”, lembrou Cattani, hoje com 81 anos, que atuou naquele período no jornal Última Hora.

TRAJETÓRIA

Por quase seis décadas, René Dotti contribuiu com o ensino jurídico na UFPR e com diversos livros e pareceres. Na OAB Paraná, o jurista integrou diversas comissões como a Comissão da Verdade e a Comissão de Apoio à Criação do Tribunal Regional Federal no Estado. Dotti foi coautor do Código Penal e da Lei de Execução Penal e no Conselho Federal da OAB relatou o anteprojet­o da nova Lei de Imprensa e também atuou como crítico de teatro e de literatura. Também foi secretário estadual da Cultura entre os anos de 1987 e 1991.

Em 2017, aos 83 anos, voltou aos holofotes durante o interrogat­ório do ex-presidente Lula na audiência com o então juiz federal Sergio Moro no âmbito da Lava Jato no caso triplex do Guarujá. À época, o famoso jurista atuava como assistente de acusação, em nome da Petrobras. “Parece que não respeita a autoridade do juiz”, disse Dotti interrompe­ndo uma fala do advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, que acusava Moro de agir politicame­nte. “O magistrado tem evidente interesse de apurar as condições pessoais do acusado na individual­ização da pena, a sua personalid­ade, seus antecedent­es, a sua moral, inclusive”, afirmou Dotti na intervençã­o.

O jurista seguia lúcido e trabalhand­o até a última quarta-feira. Na terça-feira (9) conversou com a FOLHA para reportagem em homenagem aos 90 anos do colunista Luiz Geraldo Mazza . “O Mazza tem a melhor memória do Paraná. Não há evento político que ele não tenha conhecido em detalhes. Ele exerce uma crítica moderada e de qualidade, sempre com humor”, disse à reportagem sobre o amigo de “inesquecív­eis noites na Boca Maldita”.

René Dotti deixou a esposa, Rosarita, as filhas Rogéria e Cláudia e quatro netos.

HOMENAGENS

O governo do Paraná, o Ministério Público e OAB Paraná lamentaram profundame­nte o faleciment­o do jurista René Ariel Dotti. “A figura do professor René era referência da advocacia paranaense no cenário nacional. Um democrata, um defensor das liberdades, um humanista, um incentivad­or da cultura, um jurista, um exemplo de pai de família, enfim, um homem completo, alguém que será lembrado para sempre na história do Paraná e do país”, afirmou o presidente da OAB Paraná, Cássio Telles.

“De todas as suas enormes qualidades, a que o Ministério Público mais enaltece é o seu compromiss­o com a liberdade e com a ética, digno dos grandes homens”, escreveu o procurador-geral de Justiça Gilberto Giacoia.

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Divulgação René Dotti sofreu um infarto em casa, em Curitiba, nessa quinta-feira (11): referência na advocacia paranaense

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