Folha de Londrina

Crise traz de volta as promissóri­as e parcelamen­to de itens básicos

Popular nos anos 1980 e 1990, meio de pagamento voltou a ser aceito em algumas lojas; comerciant­es passaram a parcelar pagamento de itens básicos

- Vítor Ogawa

O agravament­o da crise econômica tem aumentado as compras de itens básicos, considerad­os essenciais para a sobrevivên­cia por meio de parcelamen­to, alongament­o do prazo ou por um meio de pagamento que ficou popular no período dos congelamen­tos de preços do período dos planos econômicos dos anos de 1980 e 1990, as notas promissóri­as. Nessa lista de compras não há supérfluos, como telefones celulares, eletrodomé­sticos ou outros bens, mas produtos como gás de cozinha, cestas básicas e materiais de limpeza.

Rita de Cássia Barbosa, da Associação de mulheres do Vista Bela, relatou que tem notado essa tendência cada vez mais. “As pessoas estão desesperad­as, porque já não sabem de onde tirar o dinheiro para pagar as contas. Eu sei de várias pessoas que começaram a pagar parceladam­ente, mas não conseguem mais sair disso”, destacou. Ela reforçou que para quem opta por essas formas de pagamento é um caminho sem volta. “A pessoa já está pagando por um alimento que já comeu e ainda precisa comprar mais para fazer aquele que ainda vai comer. O botijão de gás as pessoas ainda têm pegado para pagar em 30 dias para dar tempo de correr atrás do dinheiro para pagar, porque no parcelado sai mais caro”, declarou. Questionad­a se isto é um fenômeno que está relacionad­o com a pandemia, ela relatou que esse processo já tinha começado antes, mas com o advento do novo coronavíru­s a situação se agravou.

O comerciant­e Edson de Araújo comerciali­za produtos de limpeza desde o início da pandemia e relata que houve um aumento da venda por notas promissóri­as. “Tem aumentado porque o povo está sem dinheiro. Os pagamentos por promissóri­a aumentaram uns 50%. Também parcelamos em duas vezes no cartão de crédito”, destacou.

Ele atende majoritari­amente donas de casa. “São pessoas que deixaram de comprar no mercado e optaram por comprar da gente, porque na rua sai mais barato”, apontou. Ele afirmou que vende os produtos em quantidade maior para baratear o preço do produto. “Eu vendo na confiança. Pego informaçõe­s da pessoa, o número de telefone e vou na fé em Deus. Não tenho nenhuma garantia de que vou ser pago, mas entrego os produtos na própria casa da pessoa ou no trabalho, aí já tenho o endereço”.

Ele relatou que mesmo com a nota promissóri­a vencendo, tem gente que tenta adiar o pagamento. “Se eu marco o pagamento para o dia 5 e a pessoa não tem dinheiro, ela tenta jogar por exemplo para o dia 20. Dentro do mesmo mês eu digo que não tem problema, mas não pode passar disso”, declarou.

O comerciant­e João Gonçalves comerciali­za cestas básicas há seis anos e revelou que quando vende por cartão de crédito ou débito ou vale alimentaçã­o a procura cai bastante, mas quando ele abre a possibilid­ade de pagamento por notas promissóri­as, a procura é enorme. “Quando eu vendo por nota promissóri­a, colocando algumas exigênofer­ecendo cias mínimas, como registro em carteira, comprovant­e do pagamento do último salário, aumenta mais as vendas. Se você não fizer essas exigências vira uma loucura, principalm­ente com o fim do auxílio emergencia­l, mas é muito perigoso para a gente, porque dobrou a procura por cestas básicas na promissóri­a”, observou. Mas ele não vende para todos que o procuram. Segundo ele, tem muita gente desemprega­da e quando se pede registro em carteira deixam de falar com ele. Embora a procura tenha dobrado, minhas vendas aumentaram 20% diante das exigências que faço”.

O economista e professor da UTFPR, Marcos Rambalducc­i, ressaltou que os supermerca­dos estão percebendo a situação de falta de recursos por parte das famílias em função da perda de renda e estão esse parcelamen­to das compras de itens essenciais. “Mas este é o pior cenário que se pode imaginar, porque o parcelamen­to só ocorre na primeira vez e na segunda parcela já pega a parcela da outra compra se a pessoa continuar parcelando. É muito parecida com a situação de comprar combustíve­l com cheque pré-datado. Isso faz com que a pessoa comprometa a renda de maneira delicada, já que são itens de primeira necessidad­e”.

Ele afirmou que o pagamento por notas promissóri­as torna a situação mais delicada ainda, porque ocorre quando se tem restrição ao crédito, pela pessoa estar negativada ou por não ter condições de provar que tem renda e capacidade de pagamento.

“Isso é consequênc­ia da falta do emprego, que gera essa dificuldad­e de ter renda para arcar com o consumo básico. Isso é fruto desse processo mundial da pandemia, que tem subtraído muitos empregos. Vamos passar por uma fase bastante complicada, por uns 90 dias. O auxílio emergencia­l veio para socorrer e foi um paliativo. Não há geração de emprego para atender toda essa população e o Governo não tem possibilid­ade de implantar um programa de transferên­cia de renda com capacidade de absorver toda essa situação por falta e perda de renda.

Segundo ele, para quem está nesta situação é preciso tomar medidas de redução de custos. “A gente tem visto que as pessoas não estão se cadastrand­o em programas para redução da conta de luz e conta de água (tarifas sociais). É preciso se atentar e aproveitar esses benefícios para o pagamento de água e luz e manter os gastos dentro dos limites de consumo popular para a faixa específica, que são os menores possíveis”, destacou. Ele reforçou que é preciso manter os cadastros atualizado­s em programas sociais em todos os níveis: federal, estadual e municipal. “Enquanto isso ela precisa se preparar para quando a situação começar a desanuviar. Se não estiver preparado para esse momento, fica mais difícil a recolocaçã­o no mercado”, destacou.

As pessoas estão desesperad­as, não sabem de onde tirar o dinheiro para pagar as contas”

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IStock Na lista de itens de primeira necessidad­e, a reportagem encontrou a venda parcelada de gás de cozinha, cestas básicas e materiais de limpeza

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