Sociedade da inversão
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han defende que não vivemos mais em sociedades disciplinares, nas quais proibições e punições cuidavam do cumprimento geral do dever. A existência humana se dá agora em sociedades de desempenho, cuja ênfase está no poder fazer. Assim, em vez de prisões, hospitais, fábricas, ginásios e quartéis, o lugar de cada um é de passagem e livre escolha, desde que se torne possível o surgimento de “empreendedores de si mesmos”.
O desempenho exigido de todos conduz a uma sociedade do esgotamento. O pior dos males não vem de fora, como vírus, bactérias ou desastres naturais; o que ameaça a vida são os inúmeros transtornos e doenças psíquicas que levam a humanidade a um beco sem saída: a liberdade está dada, ao passo que nos tornamos presos a uma lógica destrutiva de infelicidade e ilusão. Han denomina esse fenômeno de “liberdade paradoxal”.
Falta-nos compreender o que é ser livre. Livres para querer ser iguais aos melhores, numa corrida desenfreada por qualidades autoexigidas, ou livres para oferecer à reflexão e à profundidade um espaço de destaque no curso da vida? Sofremos por excesso de positividade (mais, mais, mais...), não mais por negatividades (menos, menos, menos...). Não é o medo de uma retaliação que nos aflige; é o fantasma da mediocridade.
Imagino, então, uma sociedade da inversão. Em dias de carnaval atípico e melancólico, fez-me bem saudar a chegada de um mundo em que opressores inexistem, ódios compõem passado imemorial, destruição ambiental é coisa de distopias cinematográficas e a famigerada hipercompetitividade é só um sonho ruim. Para superar a sociedade de desempenho, é fundamental que a fraternidade seja a bola da vez.
No carnaval, as posições sociais são trocadas. É assim desde sua origem entre trabalhadores, lá pelo século 17. O mais humilde dos indivíduos se torna soberano nos dias de folia, durante os quais vive num mundo marcado pela sua simplicidade de origem. Preconceitos de cor, gênero ou religião abrem alas para a confraternização total, em meio à qual a diferença é só entre quem dança e canta muito mais ou um pouco menos.
Na sociedade da inversão, o amor é matéria-prima da felicidade. Doses diárias de empatia são distribuídas generosamente entre todos. No trabalho, vicejam a autorrealização e a sensação de pertencimento. Nas escolas, mestres são o que há de melhor, livros se convertem em joias raras, todos os estudantes passam a ser vistos como o ápice de uma sociedade desenvolvida e democrática. A democracia, aliás, deixa de ser um sistema de governo e se metamorfoseia numa mentalidade, num jeito de ser aberto e franco, em que valores tradicionais como liberdade e igualdade deixam o papel e se apossam dos corações.
Num mundo invertido, ninguém precisa provar nada. O esgotamento e a doença desaparecem como castigo às frustrações e irrealizações; a corrida por cumprir metas, estabelecer parâmetros e definir um ideal de produtividade vira peça de museu, de um tempo em que se mentia e matava por dinheiro e poder.
Na sociedade da inversão, portanto, terá fim a pré-história da humanidade.