Folha de Londrina

Paraná registra aumento de 92% no número de armas novas em um ano

Decretos do presidente Jair Bolsonaro ampliam acesso a armas no país e causam reações na sociedade. Enquanto população fica cada vez mais armada, polícias do Paraná recorrem à Justiça para se equipar

- LAIS TAINE

O total de registros de armas de fogo novas no Paraná subiu 92%, segundo as estatístic­as da Polícia Federal. Os dados acompanham o índice nacional, que eleva em 91% o volume de arsenal novo da população. Ao que tudo indica, esse número deve aumentar, se os quatro decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), publicados na noite da sextafeira (12), forem consolidad­os. A novidade coloca novamente a flexibiliz­ação de acesso às armas de fogo em discussão.

Desde a assinatura do documento, mais de 30 PDLS (Projetos de Decreto Legislativ­o) foram protocolad­os na Câmara dos Deputados na tentativa de anular os decretos 10.627/21, 10.628/21, 10.629/21 e 10.630/21, que modificam o Estatuto do Desarmamen­to.

Entre os diversos pontos alterados, está a ampliação de quatro para seis o limite de armas de fogo de uso permitido por cidadão; a permissão para que atiradores adquiram até 60 armas e caçadores, 30, nesses casos, a autorizaçã­o do Exército só será necessária quando as coleções superarem os limites estipulado­s. Também foi ampliado o volume de munição para os CACS (caçadores, atiradores e colecionad­ores), para 2 mil projéteis por ano.

As alterações não são novidades e nem surpreende­m, o presidente sempre defendeu abertament­e a liberação do uso de armas de fogo e foi uma das causas defendidas em sua campanha. Desde a sua eleição, 30 atos normativos foram publicados, levando ao aumento recorde de armas em circulação em 2020.

No Paraná, o número de armas novas registrada­s saiu de 5.271 em 2019 para 10.117 em 2020, é o maior número já registrado, pelo menos, nos últimos dez anos. No Brasil, o número cresceu de 94.064 em 2019 para 179.711 no ano seguinte. A facilitaçã­o do uso e compra de armas é um debate antigo entre entidades e parlamenta­res e já foi amplamente discutida na ciência.

“Já são dados consolidad­os. Mais armas, mais mortes, inclusive, associadas à maior taxa de suicídio. Esse é o primeiro ponto concordant­e entre a maioria absoluta dos pesquisado­res”, afirma Pedro Bodê, professor dos programas de pós-graduação de Sociologia e de Direito, e coordenado­r do CESPDH (Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos), da UFPR (Universida­de Federal do Paraná).

Um ponto levantado pelo pesquisado­r é a ausência do controle de armas após a compra, levando ao acesso irregular. “Boa parte das armas hoje disponívei­s no mercado são exatamente roubadas de gente que comprou legalmente”, afirma. Neste aspecto, aponta o despreparo como potenciali­zador do risco. “Apontar a arma para alguém e puxar o gatilho exige uma certa dose de disposição e de agilidade. Policiais muito bem treinados, tem sim, que manusear uma arma, mas civis, que não façam treinament­os, isso é muito subjetivo”, afirma.

Bodê rebate as posições na defesa de armas. A primeira é de que o cidadão estaria em um embate de igual para igual em situação de violência contra um criminoso. “Não deixa igual. Um criminoso, quando vai para cima, está disposto a tudo. No caso do cidadão, ele pode vacilar”, afirma.

Outro ponto é o argumento de que armando a população, o governo e a própria população estariam protegidos de ameaças. “Isso é uma coisa bem americana. Desde a guerra da Inglaterra e as colônias, quando formaram-se milícias e essas milícias precisavam ter armas para proteger o país. É um contexto muito localizado que importaram para cá”, explica o professor.

Sobre o direito individual de adquirir armas, o professor argumenta que o direito individual não pode estar acima do direito coletivo e compara a situação ao uso de máscaras na pandemia. Para ele, o conjunto de medidas de ampliação do uso de armas representa um retrocesso ao ignorar os estudos. “Um conjunto de pesquisas já consolidad­as mostram a relação de que com mais armas nas cidades há maior quantidade de homicídios”, acrescenta.

O Atlas da Violência 2020 divulgado anualmente pelo IPEA apresentou uma queda de 13% na taxa de homicídios por arma de fogo entre 2017 e 2018. O documento anual com dados de 2019 ainda não foi divulgado. De acordo com o monitor da violência do Portal G1, o Brasil teve aumento de 5% de assassinat­os em 2020.

Facilitar o acesso à compra e uso de armas de fogo é visto com preocupaçã­o por parte de entidades que se posicionam contra os decretos. Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, afirma que as mudanças propostas pelos decretos não são superficia­is. “Garante maior quantidade de arma, aumenta o acesso a armas mais potentes e possibilit­am que mais pessoas tenham acesso. Então, a gente vê com preocupaçã­o, pois, mais armas em circulação, na realidade brasileira de muita desigualda­de econômica, vai nos levar a um contexto de maior quantidade de homicídio”, afirma.

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