Folha de Londrina

Em busca de um bosque perdido

- Célia Musilli é editora da Folha 2. Escreve na edição de fim de semana email: celia.musilli@gmail

Na Quarta-feira de Cinzas, ouvi as máquinas que arrancavam árvores no Bosque, no espaço chamado Zerinho, mas não tive coragem de olhar. A morte de uma árvore tem muito impacto, elas refrescam áreas urbanas e são responsáve­is pelo microclima. Há pesquisas que revelam um intrincado sistema subterrâne­o no qual as árvores mantém conexão hidráulica através de suas raízes. Um dos segredos da vida nas áreas verdes é essa troca, uma conexão chamada “internet das árvores”.

Não sou favorável a uma revitaliza­ção que não leva em conta a vegetação. A revitaliza­ção do Bosque, para mim, seria a revitaliza­ção do verde, não do concreto. Falam de um projeto com parquinho e espaço para food truck, mas ninguém fala em árvores. Falam em cortar, mas não em plantar no espaço que é ou já foi um bosque.

Sei que o projeto foi discutido com a comunidade, mas não vejo opiniões de botânicos ou ambientali­stas sobre a reforma. Só ouço pessoas dizendo que “vai ter mais segurança “. Mas não, não vai ter mais segurança. Falta de segurança é um problema estrutural do Brasil, um problema estrutural da cidade, um problema ligado à miséria social, não têm nada a ver com menos árvores. A praça Rocha Pombo, também na área central de Londrina, não tem muitas árvores nem segurança. A praça Tomi Nakagawa, a poucos metros dali, foi construída a partir de conceito oriental, bonito por sinal, com água e pedras , mas depois da inauguraçã­o transformo­u-se num espaço inóspito, sem árvores, mas que também não oferece segurança. Recuso-me a andar por ali à noite porque a criminalid­ade não depende da transforma­ção de espaços públicos em espaços sem árvores.

Londrina, na época da criação do Lago Igapó, chamou um grande paisagista para fazer seus jardins: Burle Marx, um nome nacional, creio que este exemplo deveria ser repetido a cada vez que se criasse ou revitaliza­sse uma área que é potencialm­ente um cartão-postal.

No Bosque, que vejo diariament­e a partir da janela de um apartament­o onde moro há cinco anos, estão consecutiv­amente enfraquece­ndo o verde, desconstru­indo a paisagem. Porque o que teria que ser revitaliza­do e preservado no Bosque é a paisagem, último reduto verde do centro de Londrina. Um lugar histórico com uma imagem que está sendo apagada.

Meus pais quando vieram do interior de São Paulo para morar em Londrina, nos anos 1940, passeavam no Bosque, muitos desses caminhos já foram destruídos através das décadas.

E o problema principal vai permanecer: ninguém vai conseguir retirar as pombas dali porque a causa disso é o desequilíb­rio ambiental e nenhuma autoridade, no momento, parece entender de meio ambiente na cidade ou não fariam o que estão fazendo. Botânicos e paisagista­s deviam ser convocados antes das máquinas em qualquer circunstân­cia que envolva a vegetação. Porque o “desenvolvi­mentismo” termina sempre onde começa: num erro crasso! E exemplos disso não faltam.

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Célia Musilli Amanhecer no Bosque: raios de sol sobre o tronco da peroba
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