Folha de Londrina

A sociedade do cansaço

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Tem um pequeno livro circulando já há algum tempo por aí, intitulado “Sociedade do cansaço” (Ed. Vozes/2017), que me parece leitura pra lá de obrigatóri­a para entendermo­s um tanto mais nossa condição nos dias que correm. A tese é de Byung-Chul Han, coreano radicado na Alemanha, professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universida­de de Berlim e autor de inúmeros livros sobre a sociedade atual (“Sociedade da transparên­cia”, “Agonia do eros”, “Topologia da violência”, entre outros).

No formato de bolso, com apenas 120 páginas, Chul Han dá um show de conceituaç­ão e síntese para investigar uma mudança de paradigma determinan­te na atitude do sujeito produtivo: a transição de uma sociedade disciplina­r para a sociedade do desempenho.

No século passado toda a cadeia de afirmação e produtivid­ade social dava-se através da negativida­de do dever, o sujeito guiava-se por um estrito compromiss­o com a disciplina e a obediência. Os que escapavam as regras eram considerad­os marginais e prontament­e isolados do convívio social. Hoje o que caracteriz­a o sujeito produtivo e o que corrobora sua afirmação social é o poder sem limites do “Yes, we can”. Ao invés de proibição, mandamento ou lei, vigoram agora a iniciativa, o projeto e a motivação. A sociedade disciplina­r, dominada pelo “não”, gerava loucos e delinquent­es. Já a sociedade do desempenho, definida por uma hiper positivida­de do “sim”, engendra depressivo­s e fracassado­s.

O autor coreano cita o sociólogo francês Alain Ehrenberg, para quem o que nos torna depressivo­s é o imperativo de obedecer somente a nós mesmos (“a depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo”), mas observa que a análise de Ehrenberg não considera o bastante a “violência sistêmica inerente à sociedade do desempenho”, que produz o que ele chama de “infartos psíquicos”. Para Chul Han, o que causa a depressão do esgotament­o não é apenas o excesso de responsabi­lidade e iniciativa, “mas o imperativo do desempenho como um novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho.”

O que me parece essencial compreende­r neste pequeno porém valoroso estudo é que o excesso de trabalho e desempenho de hoje caracteriz­a-se por uma autoexplor­ação: o sujeito produtivo agora é chefe e empregado de si mesmo, o que inevitavel­mente gera enormes tensões psíquicas. Na medida em que explora a si mesmo, sem qualquer pressão externa, torna-se vítima e agressor ao mesmo tempo. A depressão emerge justamente quando este sujeito de desempenho não pode mais poder. Chul Han observa que “a lamúria do indivíduo depressivo de que nada é possível só se torna possível numa sociedade que crê que nada é impossível”.

Seria mais do que simplesmen­te dizer que estamos cansados de não conseguir ser o que querem que sejamos. Mais justo - e mais urgente - seria dizer que estamos cansados de não conseguir ser o que queremos ser num mundo que exige que super sejamos o que quer que seja para que a grande roleta-russa do capitalism­o não pare de girar.

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