Folha de Londrina

Os enormes desafios dos municípios em meio a crise sem fim

Com muitas responsabi­lidades e recursos cada vez mais escassos, cidades têm poucas ferramenta­s para gerir a vida de suas populações durante a pandemia do coronavíru­s

- Pedro Moraes

Menores unidades administra­tivas do País, as cidades, independen­temente de seu tamanho, formam a linha de frente na guerra contra a pandemia da Covid-19. Coube aos prefeitos a criação de regras para impor o distanciam­ento social, o que, consequent­emente, acabou provocando os primeiros impactos econômicos da crise. A crise promoveu um terrível cenário: ruas vazias, estabeleci­mentos fechados, escolas paradas e unidades de saúde muito movimentad­as. O formato da divisão dos poderes no País estabelece essa função. Cláusula pétrea da Constituiç­ão de 1988, o regime de República Federativa adotado no Brasil impõe a união indissolúv­el dos 5.570 municípios, 26 estados e o Distrito Federal, autônomos, com suas respectiva­s prerrogati­vas, responsabi­lidades e recursos. As atuais circunstân­cias socioeconô­micas acabaram impondo um desafio ainda maior para as cidades. “Avalio que a crise vai se expressar de forma mais grave nas médias e grandes cidades, onde o número de infectados pela Covid-19 é maior. Fora isso, há um desequilíb­rio na atividade dos serviços. Então, para 2021, só existe uma solução: a vacinação em massa”, analisa Gilberto Perre, secretário-executivo da FNP (Frente Nacional de Prefeitos).

Dependente­s do PNI (Plano Nacional de Imunização), com os sistemas de saúde estrangula­dos, os prefeitos têm capacidade limitada para ação. A chegada de doses dos imunizante­s em ritmo lento, provocada pelo gerenciame­nto caótico do Ministério da Saúde, fez com o que o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) decidissem por flexibiliz­ar as regras para os registros de novas vacinas e estabelece­ssem a permissão para a compra dos imunizante­s no exterior por parte de estados e municípios. O que pode parecer uma solução prática traz ainda mais apreensão para os administra­dores das cidades. “Essas decisões acabam por desregular o PNI. Há um desequilíb­rio e nem todos terão capacidade de comprar, além de aumentar a concorrênc­ia, que já é grande, enquanto algumas empresas só negociam com países. Vão criar uma desordem do sistema e um leilão para ver quem paga mais”, afirma o prefeito Aquiles Takeda Filho (PSD), de Marilândia do Sul (Norte), presidente do conselho do Consórcio Paraná Saúde, que reúne 398 cidades do Estado.

Com a visão de que o conjunto de cidades terá um maior poder de negociação no mercado exterior, o grupo pretende ir em busca de vacinas somente depois de conhecer o posicionam­ento do governo Ratinho Junior (PSD), que tem maior cacife para as negociaçõe­s comerciais. O ramo não é para peixes pequenos. Basta ver a dimensão do valor liberado recentemen­te pelo Congresso em uma medida provisória para a compra de imunizante­s: R$ 20 bilhões. Takeda Filho, no entanto, acredita que, mesmo que os negócios feitos por estado ou municípios deem certo, a chegada das vacinas pode não estar assegurada. “Mesmo que consiga fazer a compra, sabe-se lá por qual preço, as entregas vão demorar. Como foi na época em que faltaram respirador­es. Além disso, quem garante que o governo federal não possa confiscar as vacinas na alfândega, diante da necessidad­e nacional? Sou farmacêuti­co por formação e vejo que, pelo lado técnico, essa escolha está errada. No entanto, politicame­nte, como resposta à população, parece uma boa forma de mostrar uma movimentaç­ão efetiva”, afirma o prefeito.

GARGALOS

Sem o controle do avanço do coronavíru­s e a irregulari­dade do funcioname­nto das atividades econômicas, o prejuízo socioeconô­mico continuará incalculáv­el. Com taxa de desemprego recorde em 2020, atingindo 13,4 milhões de pessoas, os prefeitos aguardam por um aumento da demanda dos serviços públicos e da assistênci­a social. “Metade do que as cidades gastam é com Saúde e Educação. Quanto mais se prolonga a crise, maior será a demanda represada por atendiment­os hospitalar­es e ambulatori­ais para outras doenças. Isso sem contar que o retorno às aulas irá impor um custo maior para o sistema. Será preciso aportar uma quantia extra do orçamento para cumprir o regulament­o sanitário”, explica Gilberto Perre, analisando sob a perspectiv­a da FNP. Outro serviço que também está pressionad­o é o transporte público – em Londrina mesmo já houve paralisaçã­o dos rodoviário­s em janeiro. A compreensã­o é que o sistema baseado nos atuais cálculos das passagens já demonstra estar em xeque, o que faz com que as cidades precisem cada vez mais aportar recursos para manter os ônibus em circulação. “Já havia uma crise e a pandemia veio jogar uma pá de cal. Os sistemas de transporte estão na iminência do colapso. O custo se tornou insustentá­vel frente à concorrênc­ia do transporte por aplicativo e a diminuição da demanda”, detalha Perre.

Do ponto de vista econômico, o fim dos diferentes auxílios financeiro­s e a tendência de previsão de receitas conservado­ras atingem diretament­e a arrecadaçã­o tributária, que já passa por um momento bastante sensível antes da pandemia. Num cenário como esse, somado ao avanço da informalid­ade, a parcela das transferên­cias federais tende a cair, ou seja, os recursos para as cidades serão menores. O comportame­nto se explica pela estrutura em que foi baseado o Pacto Federativo. Dados da CFM (Confederaç­ão Nacional de Municípios) apontam um desequilíb­rio no reparte do bolo tributário, enquanto as cidades tiveram atribuiçõe­s aumentadas. Considerad­as todas as transferên­cias voluntária­s, a receita disponível correspond­e ainda a 19% do total, o mesmo que em 2000. “O nosso federalism­o tem ônus e bônus. Enquanto na pandemia as cidades puderam estabelece­r regulament­ações em seus território­s, há uma simetria. Tanto faz o tamanho da cidade, todas têm as mesmas obrigações, isso é um baita de um problema. A pandemia pegou os municípios com retração da arrecadaçã­o e muitos sobrevivem das transferên­cias, o que, com o aumento de despesas, levou a uma situação trágica”, avalia Rodrigo Horochoski, professor de Ciência Política e Administra­ção Pública na UFPR (Universida­de Federal do Paraná).

MUDANÇA

Uma proposta de Emenda à Constituiç­ão do Pacto Federativo – a PEC 188/2019 – feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, propõe descentral­izar, desindexar e desvincula­r os recursos, o que segundo o governo poderia entregar aos estados e municípios até R$ 400 bilhões em 15 anos. Há uma extensa lista de mudanças propostas como a unificação dos gastos mínimos em educação e saúde, mas nem todas deverão ser fáceis de serem aprovadas. Uma das ideias é propor a extinção de municípios com menos de 5.000 habitantes com arrecadaçã­o inferior a 10% da receita total até 2023. “O problema é o nível de responsabi­lidades dos municípios. Como um exemplo, precisa-se imaginar uma cidade que tem poucas crianças e muitos idosos, por que ela obrigatori­amente precisa aplicar 25% das receitas em Educação?”, questiona Horochoski. O debate não parece ter a menor hipótese de se encaminhar em meio ao estado de calamidade pública instalado no País há praticamen­te um ano. O assunto está na tangente do conjunto de reformas, como a Tributária e Administra­tiva, que necessitam de um amplo debate com diferentes áreas. O tempo político está se arrastando e não se sabe se há melhora com a escalada de casos e mortes causadas pela Covid-19.

Não há soluções simples para problemas complexos. Os ajustes precisam ser feitos de acordo com a sensibilid­ade dos governante­s, em especial do Executivo Federal. Com pouco traquejo político e muito focado na reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é claudicant­e. Aprovado por seus eleitores mais fiéis, é visto com desconfian­ça pelos responsáve­is dos demais entes da federação e assim como pelos outros poderes. A fragilidad­e das cidades é exposta pelo prefeito de Marilândia do Sul, limítrofe de Londrina. “O principal recurso para uma cidade do porte da que eu governo, com 11.000 habitantes, é a ação do governo federal. Posso buscar algum incentivo, encontrar um terreno para uma nova empresa, mas dependemos muito da economia federal e estadual. Se ambos não agirem, em meio ao aumento da inflação, nada se resolverá e, no fim das contas, os problemas irão estourar primeiro no município, que não tem recurso para nada”, analisa Takeda Filho.

 ?? Lis Sayuri/9-3-2015 ?? Em Marilândia do Sul (Norte), cidade com cerca de 11 mil habitantes, prefeito diz que há uma grande dependênci­a da economia federal e estadual: “Se ambos não agirem, nada se resolverá”
Lis Sayuri/9-3-2015 Em Marilândia do Sul (Norte), cidade com cerca de 11 mil habitantes, prefeito diz que há uma grande dependênci­a da economia federal e estadual: “Se ambos não agirem, nada se resolverá”
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