Folha de Londrina

Engenheiro de software paranaense de 29 anos se destaca na Google. Lucas Radaelli, que é cego, tem a tecnologia como uma porta para igualar oportunida­des

Para o engenheiro de software Lucas Radaelli, a tecnologia é fundamenta­l para dar igualdade de oportunida­des

- Filipe Oliveira

São Paulo - Para o engenheiro de software do Google Lucas Radaelli, uma das principais missões de quem busca ampliar a inclusão de pessoas com deficiênci­a visual é encontrar novas formas de representa­r informaçõe­s para que sejam entendidas sem os olhos. Como exemplo, o curitibano de 29 anos, que é cego, cita a escrita musical em braille, em que as notas são apresentad­as sem a necessidad­e de pauta, linhas ou clave de sol, mas a informação transmitid­a é a mesma do que a fornecida por uma partitura comum. “O problema não é ser cego, é não acessar a mesma coisa que as outras pessoas acessam”, afirma.

Para Radaelli, a tecnologia é fundamenta­l para dar igualdade de oportunida­des. Por isso, após cinco anos trabalhand­o no aprimorame­nto do sistema de buscas da bigtech a partir do escritório em Belo Horizonte, ele pediu para ser transferid­o para a equipe que cuida da acessibili­dade nos produtos da empresa. Mora desde 2019 em São Francisco, nos Estados Unidos.

Para ele, a tecnologia possui um papel mais decisivo na vida de quem tem uma deficiênci­a do que para as pessoas que não têm. “Conseguir um livro em braille pode ser muito difícil. Mas consigo comprar um livro digital e usar meu leitor de tela [sistema que fala textos na tela do computador ou celular em voz alta] para chegar nele na mesma velocidade que qualquer pessoa.”

No último dia 21, o jovem foi às redes sociais comemorar sua promoção para um nível sênior. Disse que era o momento mais importante de sua carreira e que teve muitas dúvidas se chegaria até ali, porque as coisas são difíceis. À reportagem, ele diz que as dificuldad­es que pensou ao escrever a mensagem estão ligadas principalm­ente a sua formação educaciona­l.

Ele conta ter tido ajuda de muitas pessoas para conseguir material de estudo. Seu pai, Ivair, aprendeu braille para ajudá-lo e transcrevi­a as lições de casa que o filho fazia para que os professore­s pudessem ler. Sua mãe, Fátima, escaneava livros para que ele os ouvisse com softwares de leitura de texto em voz alta e o ensinou a digitar no computador aos seis anos.

Mais tarde, no ensino médio, o professor de matemática Rubens Ferronato o apresentou a um sistema que misturava pinos e elásticos para que ele pudesse sentir gráficos e funções com as mãos, um método de traduzir informaçõe­s visuais para o tato que atiçou seu interesse pelas ciências exatas.

Na UFPR (Universida­de Federal do Paraná), onde entrou ainda sem saber programar, foram vários os colegas que gravaram textos e anotações de caderno para que ele pudesse ouvir depois, conta. “Nós que não enxergamos estamos em uma desvantage­m muito grande. Várias vezes quis estudar algo e não tinha acesso a material”, afirma.

No trabalho, por outro lado, a quantidade de adaptações necessária foi menor. Lucas diz considerar que a carreira de programado­r é, na maior parte do tempo, acessível para quem não enxerga. A empresa também se mostrou aberta para buscar softwares e equipament­os necessário­s para seu dia a dia, diz. “Nunca senti que as pessoas me olhavam e pensavam: ‘que saco, uma pessoa com deficiênci­a’; o que já aconteceu em outros lugares”, afirma.

Nem por isso deixam de haver situações em que ele precisa trabalhar com softwares que não funcionam adequadame­nte com seu leitor de telas. Em alguns casos, usou seu conhecimen­to de programaçã­o para desenvolve­r ferramenta­s que automatiza­ram soluções de um problema que enfrentava e as enviou como sugestão para o desenvolve­dor do produto adotar, conta.

Radaelli chegou ao Google, seu primeiro emprego após estágio no laboratóri­o de pesquisa da faculdade, em 2014. Conta ter sido convidado para participar do processo seletivo comum da empresa após o fim de uma bolsa de estudos na Alemanha. Ele havia entrado em contato com a companhia para tentar se inscrever em um curso da empresa para pessoas com deficiênci­a na Europa, mas não pôde se inscrever por não ter cidadania no continente.

Entre seus objetivos para o futuro, Radaelli diz querer desenvolve­r projetos que permitam a outras pessoas que não enxergam aprender matemática e programaçã­o em formatos adequados. Para ele, a tecnologia pode automatiza­r muitas das atividades que, em sua infância, exigiram muita dedicação de seus pais.

Mas ele ressalva que não gosta de falar só sobre acessibili­dade. Além de estudar piano, escreve com frequência em suas redes sociais sobre livros de fantasia e jogos. Quatro vezes na semana pratica xadrez on-line. Diz estar em nível pouco acima do iniciante, mas gosta de participar de torneios com pessoas que enxergam. Para isso, leva um tabuleiro a mais, em que as peças são encaixadas e ele pode passar a mão sobre elas para examinar a situação e pensar a próxima rodada.

Também consegue fazer partidas de memória, com os jogadores narrando seus movimentos e imaginando as posições no tabuleiro. “Gosto de esportes em que disputo de igual para igual”, afirma.

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Gabriel Cabral/Folhapress
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Gabriel Cabral/Folhapress “O problema não é ser cego, é não acessar a mesma coisa que as outras pessoas acessam”, afirma Lucas Radaelli, que estudou na UFPR

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