Folha de Londrina

Amor, polícia e bandido

Em seu novo romance, “Baixo Esplendor”, Marçal Aquino apresenta um drama criminal onde a paixão ocupa papel subversivo

- Marcos Losnak Especial para a Folha

“A natureza do amor, de não nos permitir escolher por quem nos apaixonamo­s, é uma rota que pode conduzir à ruína.”

Esta frase presente em “Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios”, livro de Marçal Aquino de 2005, pode ser considerad­a uma síntese de “Baixo Esplendor”, novo romance do escritor e roteirista paulista.

Lançado pela editora Companhia das Letras, “Baixo Esplendor” traz um drama criminal pautado por uma paixão avassalado­ra e impossível. Narra a trajetória de Miguel, um policial do setor de inteligênc­ia da polícia civil que tem como especialid­ade a capacidade de se infiltrar em quadrilhas criminosas sob investigaç­ão.

Sua missão consiste em se infiltrar numa quadrilha de ladrões de carga extremamen­te bem organizada. Um grupo que, além de roubos em ações armadas, domina uma rede de receptador­es em todo território brasileiro. Tudo isso em 1973, a época mais violenta da ditadura militar.

Disfarçado de bandido, Miguel conquista a confiança de Ingo, o chefe do grupo e se torna um dos integrante­s do bando. O drama é que se apaixona por Nádia, irmã do chefe da quadrilha. Uma paixão recíproca que transforma totalmente a vida dos amantes.

Correndo perigo de vida por ser um delator, o policial Miguel precisa prender bandidos, mas ao fazer isso, pode destruir sua relação amorosa com Nádia. Um contexto existencia­l em que o personagem vive todas as dúvidas possíveis diante de certezas éticas. Com o amor e a morte caminhando juntos, lado a lado.

Em “Baixo Esplendor”, o autor apresenta a paixão como uma força extremamen­te particular, devidament­e cercado pela violência social e por impossibil­idades extremas. Como se a paixão só fosse possível dentro de um universo paralelo, um território restrito ao mundo dos amantes. A subversão de duas pessoas capaz de desestabil­izar todo o mundo à sua volta.

A seguir, Marçal Aquino fala sobre seu novo romance.

Você publicou seu livro anterior, “Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios”, em 2005. E agora está lançado um novo romance, “Baixo Esplendor”. São 16 anos entre um livro e outro. O que aconteceu nesse tempo todo?

Passei 16 anos sem publicar, porém, ironicamen­te, nunca escrevi tanto quanto nesse período: foram três novelas inacabadas, em diversos estágios, uma delas, à qual pretendo retornar em breve, me custou seis anos de trabalho. Isso tudo sem contar os roteiros de três filmes – “Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios”, “Tungstênio” e “Carcereiro­s” – e de mais de uma centena de roteiros de episódios de seriados na TV.

Sua literatura (contos, novelas, romances e roteiros) é marcada por enredos policiais e violência urbana. “Baixo Esplendor” reforça essa marca. Por que a escolha por esse universo?

Nunca parei para pensar por que escrevo o que escrevo; prefiro que permaneça como mistério. Mas acho que uma boa pista quanto ao cenário e personagen­s preferenci­ais dos meus escritos pode ser encontrada na minha experiênci­a como repórter policial. Vi de perto o submundo de São Paulo, foi uma vivência muito intensa e contaminou minha literatura.

Mesmo com todas as caracterís­ticas de um drama policial, “Baixo Esplendor” se revela uma história de amor. A trama policial seria um artifício para você escrever sobre a paixão?

Gosto da combinação entre o drama criminal e as histórias de paixão que podem ser contadas a partir dessa perspectiv­a, desses ambientes. Pessoalmen­te, acredito que não existe nada mais subversivo que o amor, a única coisa que de fato faz pessoas mudarem de rumo na vida, muitas vezes tendo de renunciar a crenças e medos. É disso que gosto de falar nos meus livros.

Nos episódios finais de “Baixo Esplendor”, contrarian­do toda e qualquer expectativ­a, há um otimismo surpreende­nte sobre a capacidade transforma­dora da paixão. Por quê?

Crenças não se explicam. Ou o sujeito é capaz de viver de acordo com as suas crenças ou corre sérios riscos de acabar frustrado no final. Penso que é contra isso que a maioria dos meus personagen­s se rebela, colocando em movimento a máquina narrativa.

Ambientado no Brasil de 1973, durante a ditadura militar, o romance retrata dois ambientes criminais: crimes comuns e crimes de Estado. Por que a narrativa de “Baixo Esplendor” não faz distinção entre os dois tipos de crimes?

Desde o começo, entendi que a ditadura apareceria apenas como pano de fundo da narrativa de ficção, contribuin­do para acentuar a tensão que oprime os personagen­s. E ainda que as vertentes até acabem se tocando em alguns momentos, me interessou mais examinar o mundo da marginalid­ade do que o ambiente político rarefeito do país na época em que se passa a história.

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Renato Parada/Divulgação Marçal Aquino, além de escritor, é roteirista de filmes como “Carcereiro­s” e séries de televisão como “Força Tarefa”
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