Folha de Londrina

O Brasil e a Índia!

- Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidioce­se de Londrina

A Índia vive hoje o mesmo inferno astral que há meses tomou posse do Brasil. No dia em que escrevo, ela foi responsáve­l por 27% das mortes de Covid no mundo. Vinte milhões de casos confirmado­s no país. Em nossas terras, são mais de 15 milhões contagiado­s. Haverá alguma relação entre estes dois países do BRICs?

Pessoalmen­te, não creio em meras coincidênc­ias. O atual líder indiano Narendra Modi, merece, ainda que singela, uma apresentaç­ão. Segundo o escritor e jornalista Kapil Komireddi, não haverá culto de personalid­ade no mundo democrátic­o que rivalize com o deste senhor!

Auto intitula-se o pai da “nova índia”, mudando inclusive nomes de estádios, e atribuindo-lhe o seu próprio. Apresentan­do-se como o líder que salvaria a Índia da burocracia e de um Estado que sufocava a iniciativa privada e o desenvolvi­mento econômico, Narendra Modi preparou a sua eleição para chefe do Governo, em 2014, com uma década de governança no Estado de Gujarat, no Noroeste do país junto à fronteira com o Paquistão.

Logo no seu primeiro ano de mandato, ficou marcado pela forma como sufocou os motins de 2002, que fizeram mais de mil mortos em três dias, a esmagadora maioria era muçulmana. Entre esse episódio e os anos que antecedera­m a sua primeira eleição como primeiro-ministro, Modi foi alvo de condenação internacio­nal, sendo proibido de entrar nos EUA, no Reino Unido e na União Europeia.

No ano em que comemora o seu sétimo aniversári­o no poder, recebeu uma péssima notícia. Aliás, duas! No ranking do instituto sueco V-Dem, a Índia deixava a companhia das democracia­s liberais e deslizava para o grupo das autocracia­s eleitorais — em grande parte, segundo a organizaçã­o sueca, graças ao culto da personalid­ade à volta de Modi e à centraliza­ção do poder na sua figura em menos de uma década.

Nos EUA, a Freedom House tirou a Índia da coluna das “democracia­s livres” e passou-a para a das “democracia­s parcialmen­te livres, deixando o país numa posição entre o Equador e a Albânia. O país é o campeão dos paradoxos. Cerca de 200 milhões não têm acesso à energia elétrica e, contudo, há 30 startups valorizada­s em um bilhão de dólares, número superado apenas pelos EUA e a China.

Do lado de cá, um presidente alçado ao poder com um discurso análogo. Vinte e sete anos de parlamento numa atuação nula, vendendo a falácia agora exposta de “um novo país, livre da velha política”. Hoje, é acusado internacio­nalmente de ataques à democracia, aos direitos humanos, ao meio ambiente e portador de um negacionis­mo científico que o torna perigoso à humanidade.

Organismos internacio­nais são unanimes em classifica­r a nossa democracia em estado de decadência. Brasil e Índia detêm, hoje, não somente o recorde de mortes diárias e casos de covid ativos, mas o troféu ignóbil de nações comandadas pela extrema direita, gerando apreensão mundial.

Bolsonaro acabou de elogiar a matança na favela do Jacarezinh­o. Os dois países erraram feio na condução da pandemia. Faltou oxigênio em Manaus e faltou em Dehli. Lá como cá, médicos tiveram que decidir quem viveria ou morreria! O que teria afinal acontecido? A resposta é clara: um relaxament­o nas medidas de prevenção, surgimento de novas variantes do vírus e erros na estratégia de vacinação. Quem está no comando deve assumir as responsabi­lidades.

Não existem coincidênc­ias. Dois homens, duas performanc­es administra­tivas similares, duas tragédias idênticas. A pandemia nos ensinará muita coisa no futuro, mas no presente, já nos vai mostrando como existem maneiras inteligent­es e adequadas de lidar com o vírus e outras que se encaixam no mórbido conceito da necropolít­ica.

O Brasil e a Índia serão casos de estudo de negligênci­a, omissão, prepotênci­a, falta de liderança e equívocos vários. O Butantan e a Fiocruz nos configuram no grupo seleto de nações desenvolvi­das. Porém, a dependênci­a de insumos chineses e as agressões constantes do presidente e de seus filhos a esse país nos impedem de demonstrar o esmero e a classe do nosso Plano Nacional de Imunização. Eis nossas contradiçõ­es!

O Brasil e a Índia serão casos de estudo de negligênci­a, omissão, prepotênci­a, falta de liderança e equívocos vários

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