Folha de Londrina

Cali vê eclodir embates entre classe média e indígenas

Terceira maior cidade da Colômbia tornou-se epicentro dos atos que tomaram o país

- Sylvia Colombo

Buenos Aires, Argentina Em Cali, a terceira maior cidade da Colômbia, o que começou como mais um foco de protestos no país contra a reforma tributária proposta pelo presidente Iván Duque se transformo­u num caleidoscó­pio de exigências e críticas ao governo - de ações no combate à pandemia a emprego e educação, passando por demandas de minorias com grande presença no Valle do Cauca, onde a cidade está localizada.

Epicentro dos atos que tomaram a Colômbia nas últimas duas semanas, com bloqueios em estradas que provocaram desabastec­imento de alimentos e combustíve­l, Cali já não vê os embates se limitarem a manifestan­tes e policiais. Agora, moradores de bairros de classe média e alta também enfrentam indígenas, ampliando a tensão em um cenário que, segundo a ONG Indepaz, já deixou 47 mortos em todo o país, sendo 35 apenas em Cali.

“Há muitos espaços na cidade que favorecem a disputa entre diferentes grupos e a resistênci­a às forças policiais. É um lugar muito dividido geografica­mente”, afirma o sociólogo Alberto Sánchez. “Há tempos vemos tensões entre os interesses ligados à zona de plantio de coca, dos imigrantes em situação irregular e dos que exploram a mineração ilegal, num território em que a presença mais antiga é a de indígenas e afrocolomb­ianos, que vêm reagindo a avanços do crime organizado e da polícia sobre suas atividades.”

Com 2,2 milhões de habitantes, Cali é uma parada importante da rota do narcotráfi­co entre a América do Sul e a Central, devido à ligação por terra e à proximidad­e a portos do Oceano Pacífico. Entre o fim da década de 1970 e a de 1990, a cidade ficou famosa por abrigar um dos mais importante­s cartéis de drogas no país, comandado pelos Rodríguez Orejuela.

O Departamen­to de Cauca, do qual Cali é capital, é também um refúgio de “desplazado­s” pela violência e pobreza em Cauca e Putumayo. A falta de acesso dos deslocados a trabalho e moradia apenas aumenta os problemas de segurança.

Embora Duque tenha ido à cidade na última terça (11), ele não conseguiu evitar que novas manifestaç­ões continuass­em a ser convocadas. Não ajudaram as declaraçõe­s do presidente e de membros de seu partido, o direitista Centro Democrátic­o, de que os atos estão infiltrado­s por forças desestabil­izadoras estrangeir­as, associadas a dissidênci­as de guerrilhas, cartéis e mesmo do governo venezuelan­o. Em reação, o prefeito de Cali, Jorge Iván Ospina, do Partido Verde, de oposição a Duque, respondeu: “Os atos e os bloqueios são consequênc­ia de causas muito claras. Falta de emprego, de saúde e de educação”.

Além dos problemas sociais que afetam toda a população, o governo também passou a receber reivindica­ções de sindicatos e movimentos indígenas, reunidos no Conselho Regional Indígena do Cauca (Cric), organizaçã­o que denunciou um ataque no fim de semana realizado por civis associados à polícia, com agressões e destruição de bloqueios montados para protestar. “Estão impedindo o direito constituci­onal à manifestaç­ão. É um movimento que está tomando carona no caos para expressar a xenofobia”, disse Alfredo Acosta, que dirige a Guarda Indígena da Colômbia.

Por outro lado, moradores do Solares de Pance, condomínio localizado em um bairro nobre da cidade, foram feitos reféns durante um dia por um grupo de indígenas, também no último fim de semana.

Com acusações de lado a lado, as redes sociais são um caldeirão confuso na guerra de versões. Integrante­s do Cric publicam vídeos de reuniões pacíficas em praças onde, de repente, há explosões e correria motivada por tiros. Moradores de bairros fechados, por sua vez, exibem imagens captadas por drones do avanço de indígenas contra as suas residência­s. Há, ainda, gravações de tiros e ataques da polícia a manifestan­tes desarmados e também de delegacias onde bombas são detonadas.

“Sabíamos que algo assim poderia ocorrer na Colômbia e especialme­nte em Cali, que é marcada pela segregação”, diz Sánchez. “Agora vemos uma escalada, com casos mais graves ocorrendo todos os dias. No caso de uma cidade muito armada, como esta, em que cada um desses grupos tem meios de causar danos e mortes, a situação é muito complexa.”

Para Julián González, da Universida­d del Valle, a pandemia agravou problemas do país. “Houve o fechamento de mais de 500 mil pequenas e médias empresas, e há 17 milhões de pessoas em situação de vulnerabil­idade alimentar. A base dos protestos urbanos se desenvolve sobre essa deterioraç­ão das condições de vida das maiorias”. Frente a esse quadro, a pobreza no país passou de 35,7% em 2019 para 42% em 2020, de acordo com o Departamen­to Administra­tivo Nacional de Estatístic­a (DANE).

A ONU (Organizaçã­o das Nações Unidas), aliás, expressou nos últimos dias preocupaçã­o com a situação em Cali. A representa­nte na Colômbia do Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Juliette de Rivero, denunciou os ataques a indígenas: “Urgimos a garantia dos direitos e Justiça para os que sofreram ataques, entre os quais mulheres e crianças”.

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Manifestan­tes entram em confronto com policiais em Cali

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