Folha de Londrina

AOS DOMINGOS PELLEGRINI

Com o mestre na estrada

- Domingos Pellegrini escreve na edição de fim de semana - d.pellegrini@sercomtel.com.br

A estrada se desenrola em curvas.

- Mestre, qual a diferença entre paciência e perseveran­ça? - Se eu respondess­e, estaria ignorando que você só pergunta por já saber a resposta.

- Pensei que fosse o tipo de pergunta que o mestre gosta de responder, por exemplo, dizendo que é preciso paciência para ser perseveran­te, ou que a perseveran­ça é a paciência que segue adiante.

- As palavras aceitam que se brinque com elas porque não são fatos, mas o caminho se vence com sapatos.

- Melhor então caminhar calados?

- Melhor é gostar de caminhar.

- Claro... Até porque, se o agora é sempre nosso único tempo disponível, e se o aqui é sempre o único lugar onde podemos estar, caminhar é viajar entre o Infinito e a Eternidade, não?

- Sim, como ficar parado também é. E sempre, parado ou andando, carregando bagagem.

- Nossas mochilas, mestre?

- Nosso ego.

Silêncio por algum tempo ou alguns metros.

- Mestre, aquele filósofo antigo disse que o rio que nos banhou ontem não é o mesmo que nos banha hoje. Assim também uma estrada se renova a cada nova viagem?

- Não se você passar por ela como sempre ou, então, se não prestar atenção.

Silêncio; até:

- Mestre, a felicidade é conquistar os grandes sonhos ou viver os bons momentos?

- Depende. Grandes sonhos se conquistam com muitos momentos.

- Então, a esperança é sonho, mestre, e o trabalho é perseveran­ça?

- Como o silêncio sabe ouvir e muita conversa cansa. Seguem em silêncio mas:

- Mestre, o senhor diz que a melhor forma de ser é servir, certo?

- Ou errado, para quem só gosta de ser servido.

- Mas esses não têm futuro, têm, mestre?

- É, os faraós morreram mas Jesus continua vivo. Passam um barranco florido.

- Quem então será exemplo de felicidade, mestre, o Dalai Lama?

O mestre senta numa pedra.

- Parou para pensar, mestre?

- Não, ainda consigo pensar andando. Parei para ver as flores que respondem tua pergunta.

- Mas são apenas marias-sem-vergonha!

- Por isso mesmo, florem onde quer que se ponham.

- Sem vergonha do lugar, mestre?

- Sem vergonha de servir.

- Mas não dão frutos nem néctar, servem a quem?

- À vida, ao vale, aos viajantes.

- Só mesmo o mestre para ver flores tão comuns que ninguém vê.

- Como o ar, o que não nos impede de respirar.

- Mudando de assunto, que poente micho, hem, mestre? - O melhor poente de hoje.

- Hoje já quase ontem, né.

- Ou começo de amanhã. Os artigos publicados não refletem necessaria­mente, a opinião da Folha de Londrina, que os reproduz no exercício da sua atividade jornalisti­ca e diante da liberdade de expressão que lhe são inerentes.

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Dalva Vidotte

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