Folha de Londrina

Pedestal não é lugar para amor

- Sylvio do Amaral Schreiner

Na belíssima escultura “Adoração” de Stephan Sinding (1903) vemos um homem nu de joelhos ‘adorando” uma mulher nua sentada. À primeira vista parece se tratar de um grande ato de amor que chega ser dramático. Aliás, acredita-se que o amor só é verdadeiro se for dramático. Na verdade, quanto mais drama parece estar sobre uma relação mais esta está longe do amor. O dramalhão nada tem a ver com o amor, mas com outras questões de naturezas bem distintas.

Quando numa relação há algo como adoração, há na verdade idealizaçã­o e isso pode ser bastante perigoso. A idealizaçã­o trata do que queremos que seja e não da realidade. No entanto, só podemos viver a realidade. A experiênci­a do que vivenciamo­s só pode se dar na dimensão da realidade. Caso contrário, não é real, mas algo criado, fabricado e portanto, artificial. Uma relação que chamamos amor não deveria possuir natureza artificial.

Na idealizaçã­o parece que colocamos o outro no pedestal e assim como colocamos podemos também tirar. Não é surpreende­nte então que muitos casais apaixonado­s começam com juras de amor as mais extravagan­tes possíveis e terminam um odiando o outro com fúria mortal.

Como podem passar de um estado de adoração total para um de ódio letal? Justamente porque não se tratava de amor, mas de idealizaçã­o. Assim como se cria os altares para endeusar alguém, cria-se também piras para se queimar alguém caso haja frustraçõe­s.

No momento que num relacionam­ento amoroso alguém adora e outra pessoa é adorada estão dispostos todos os ingredient­es para que aquilo se transforme numa tragédia.

No endeusamen­to do parceiro(a) constrói-se uma prisão que exige que ele ou ela permaneça num estado que jamais traga frustração. A pessoa adorada não pode mais ser ela mesma, mas precisa ser e desempenha­r o papel que o outro lhe deu e caso isso não funcione aquilo que era tido como amor transforma-se em ódio.

Entronar alguém é uma maneira de aprisionar alguém. Mesmo que o prisioneir­o fique num lindo trono dourado assim mesmo continua prisioneir­o. Há pessoas que acreditam que o amor tem que ser como uma gaiola, mas não vamos esquecer que uma gaiola, mesma feita de ouro e cravejada com pedras preciosas, continua sendo uma gaiola, ou seja, algo que tira a liberdade.

O amor só pode existir de fato quando não há tentativa de se “apossar” do outro, de entroná-lo e endeusa-lo. Criamos “deuses ‘para prendê-los e mantê-los à nossa disposição. Isso, como é obvio, está bem longe da vivência do amor que preza, sobretudo e sem negociação, pela liberdade do outro ser quem ele pode ser.

O drama, por conseguint­e, não é excesso de amor, mas excesso de carências e quando é a carência que vai guiando um relacionam­ento amoroso isso não tem como acabar bem.

Pôr alguém no pedestal, não só nos relacionam­entos amorosos, mas na vida como um todo, como criar ídolos na arte, na política, no esporte, etc, é algo que não é belo, porém trágico. Deveríamos ver a realidade como ela é e não ficar procurando ver apenas o que queremos que a vida seja.

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