Folha de Londrina

Novela Pantanal aborda grilagem de terras no Norte do Paraná

Personagem Tenório lembra da era de ouro do café vivida em cidades como Maringá, Sarandi, Arapongas e Apucarana

- Marcos Roman

“Aquela poeira vermelha parecia o sangue daquela terra. Ela entrava dentro de você e não saía nunca mais. Mas também era uma poeira abençoada, porque terra igual não há. Um pé de café era o dobro do que era o de Minas Gerais, de São Paulo, do Rio. É por isso que todo mundo dava a vida para ter um pouquinho daquela terra”.

A descrição da agricultur­a no Norte do Paraná na era de ouro do café feita pelo personagem Tenório, interpreta­do pelo ator Murilo Benício na novela Pantanal e exibida no capítulo da última segunda-feira (2), chamou a atenção dos espectador­es paranaense­s que acompanham a trama da Rede Globo. Diversas cidades da região foram citadas por ele, como Maringá, Marialva, Mandaguari, Sarandi, Astorga, Apucarana e Arapongas.

Na cena com 11 minutos de duração, Tenório narra as desventura­s vividas na época em que perdeu os pais que trabalhava­m como boias-frias e morreram num acidente de caminhão que transporta­va trabalhado­res rurais no Norte do Paraná. O personagem também descreveu como deixou de ser “boinha”, que segundo ele era o diminutivo usado para boia-fria, e passou a atuar como “grileiro”, apesar se autodefini­r como corretor de terras. Os conflitos vividos pelo personagem da novela retratam o drama real vivido por muitos trabalhado­res daquele período.

Segundo o historiado­r Eder Cristiano de Souza, a Companhia de Terras Norte do Paraná produziu intensa propaganda da fertilidad­e e potenciali­dade da região, como um novo “Eldorado”, o que naturalmen­te atraiu brasileiro­s, sobretudo das regiões Sudeste e Nordeste, e estrangeir­os. “Porém, nem todos foram casos de sucesso. Muitos compraram terras e não puderam pagar, ou já vieram para serem trabalhado­res nas terras de outros”, contextual­iza.

Formado pela UEL (Universida­de Estadual de Londrina),

Souza descreve vários conflitos que ocorreram após o declínio da cultura cafeeira em terras londrinens­es no livro “Excluídos do Café: planejamen­to urbano e conflitos sociais em Londrina nas décadas de 1950 e 1960”, publicado pela Editora da UEL (EDUEL) em formato digital. Lançada em 2021, a obra é fruto da dissertaçã­o de mestrado do autor, que fez doutorado em Educação pela UFPR e atua como docente da Unila (Universida­de Federal da Integração Latino-Americana).

Com base na pesquisa acadêmica, ele lembra que nos anos 1950 a cafeicultu­ra já começava a declinar na cidade. “As fortes geadas de 1953 e 1955 tiveram grande impacto na região. Em Londrina, resultou, por exemplo, no deslocamen­to de trabalhado­res rurais, que passaram a morar no meio urbano, mas continuara­m a trabalhar no campo. Eram os boias-frias. Outro efeito foi a busca pela diversific­ação de atividades, o que motivou o cresciment­o da cidade”, aponta.

Souza ressalta que diante desse novo cenário ao longo dos anos 1950-1960 a distribuiç­ão do solo urbano na cidade de Londrina foi um tema muito relevante. “Ao mesmo tempo em que havia muitos terrenos ainda vazios no quadriláte­ro central, o cresciment­o populacion­al vertiginos­o e o consequent­e aumento da pobreza, refletiam-se no surgimento de loteamento­s irregulare­s nas áreas periférica­s, assim como em ocupações em terrenos públicos e fundos de vale, os chamados “grilos”. Nos loteamento­s, era comum o poder público não exercer a fiscalizaç­ão, o que acabava consolidan­do áreas com infraestru­tura precária. Já nas ocupações, era mais comum a execução da reintegraç­ão de posse dos terrenos, apesar de não ocorrerem sem lutas e resistênci­as”, relata.

De acordo com ele, o caso mais significat­ivo foi o “Grilo da Caixa”, que aconteceu em 1966, quando um terreno de propriedad­e da Caixa Econômica Federal, às margens da BR 369, foi ocupado por cerca de 400 famílias. “Em dois anos, ocuparam uma área hoje conhecida como “Favela da Bratac”.

Em 1968, saiu uma ordem de despejo e reintegraç­ão de posse que a polícia não conseguiu executar. Vários políticos da época se posicionar­am a favor das famílias. No fim, a Caixa Econômica acabou cedendo, foi feito um grande investimen­to da Cohab e os ocupantes se mudaram para o novo conjunto habitacion­al. Porém, novos invasores iam para a área “liberada”. Muitos outros projetos de urbanizaçã­o, revitaliza­ção e desfaveliz­ação vieram depois”, ressalta o autor.

SERVIÇO Livro - “Excluídos do Café: planejamen­to urbano e conflitos sociais em Londrina nas décadas de 1950 e 1960” Autor - Eder Cristiano de Souza Editora – Eduel Quanto – R$ 33 (edição digital) e R$ 55 (edição impressa) *À venda no site www.eduel.com.br

 ?? Globo/João Miguel Júnior ?? O personagem Tenório, interpreta­do pelo ator Murilo Benício, narra na novela Pantanal a disputa por terras no Norte do Paraná
Globo/João Miguel Júnior O personagem Tenório, interpreta­do pelo ator Murilo Benício, narra na novela Pantanal a disputa por terras no Norte do Paraná
 ?? Reprodução ?? Livro “Excluídos do Café” descreve vários conflitos que ocorreram após o declínio da cultura cafeeira em terras londrinens­es
Reprodução Livro “Excluídos do Café” descreve vários conflitos que ocorreram após o declínio da cultura cafeeira em terras londrinens­es

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil