Folha de Londrina

À beira do abismo

- Por Marco A. Rossi

É imperdível a leitura do livro “Democracia na periferia capitalist­a”, do cientista político Luis Felipe Miguel, lançado pela Editora Autêntica. Trata-se de obra capital para entender a crise pela qual passa a democracia contemporâ­nea no Brasil e no mundo. Sem enfrentar as grandes desigualda­des sociais, admite o autor, a democracia será sempre frágil e imprecisa, vítima de toda sorte de golpismo.

A chave de compreensã­o das sociedades modernas passa pela relação intrínseca entre democracia e igualdade. Luis Felipe Miguel aposta, então, no enfrentame­nto dos abismos que separam ricos e pobres, homens e mulheres, brancos e negros – e tantas outras interfaces – como meio para a verdadeira democratiz­ação das sociedades atuais.

Após uma releitura histórica da ideia e da prática democrátic­as, o livro investe suas melhores energias na análise do caso brasileiro, principalm­ente dos últimos 30 anos.

Com o triunfo da antipolíti­ca (o mundo dos gestores privados da coisa pública) e a ascensão competitiv­a da extrema-direita, o pacto implícito da Constituiç­ão de 1988 se esgotou, e com ele o advento da Nova República. Se o passado recente do Brasil se costurou por uma conciliaçã­o capenga entre as forças democrátic­as, o presente já não pode dizer nem isso.

Para além da apatia e do desrespeit­o, são benfazejos nos espaços públicos o ódio à diferença, o pouco-caso diante das questões cidadãs e um certo tom blasé ante as necessidad­es das populações mais vulnerávei­s. Assim, esgarça-se o tecido social e desfaz-se a trama da solidaried­ade coletiva, itens sem os quais não há democracia que resista.

Luis Felipe Miguel elege sete pontos a enfrentar a fim de revitaliza­r a democracia brasileira, tornando-a possível como modelo de gestão da esfera pública e, também, como valor capaz de orientar a vida dos sujeitos em suas dinâmicas particular­es.

O primeiro e o segundo deles tocam em instituiçõ­es historicam­ente avessas a performanc­es democrátic­as: os militares e as polícias. Sem tornálas submissas ao poder civil, afastando-as de pressões eleitorais, a democracia agoniza. Ademais, é preciso predispô-las a uma cultura menos hostil às manifestaç­ões políticas da vida democrátic­a, da qual elas são parte, não proprietár­ias.

O terceiro ponto é o delicado assunto da democratiz­ação das mídias. Com grandes conglomera­dos familiares monopoliza­ndo a informação, a democracia se fragiliza e perde vigor. Ao lado do quarto e do quinto pontos – a reforma política necessária e a liberdade do Estado em relação ao sistema financeiro –, tem-se o epicentro das lutas políticas a travar em nome de uma sociedade mais igualitári­a. O sexto e o sétimo ponto também são convergent­es: a laicização total do Estado e a primazia política da questão ambiental. Ambos os temas estão interligad­os na vida democrátic­a que se deseja erigir, mais justa, fraterna e, enfim, humana. O livro, frisando, é fundamenta­l para essas reflexões à beira do abismo.

Os artigos publicados não refletem, necessaria­mente, a opinião da Folha de Londrina.

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