Folha de Londrina

Economista­s da vida

- Por Marco A. Rossi

A ciência tem suas prerrogati­vas. Para ser considerad­a um conjunto útil e seguro de conhecimen­tos, necessita de método e apresentaç­ão de resultados. Como as ciências são muitas e diferentes, existem variadas metodologi­as de trabalho e um campo infinito de opções de atuação profission­al. Pode-se ser um excelente técnico ou um analista dos impactos do mundo sobre a vida humana. É possível, portanto, ficar com os números, os dados, os resultados práticos, as taxas e amortizaçõ­es ou, de outro modo, com as pessoas e sua teimosia em viver.

No meu trabalho como professor e pesquisado­r da Sociologia, preciso dialogar com outras ciências, buscar complement­os, raízes, explicaçõe­s de outras perspectiv­as. Assim, a filosofia é uma interlocut­ora permanente; a história, o direito, a antropolog­ia, a ciência política, a psicanális­e, tudo isso me diz respeito e faz parte de meus interesses de leitura, nem que seja como mera curiosidad­e.

Aliás, não há ciência sem curiosidad­e. Sócrates já dissera que é do espanto que nasce o conhecimen­to. Precisamos estranhar a realidade para desvendá-la. Mesmo assim, sinuosa, a realidade é infinita diante de nossas limitadas formas de abarcá-la. Nesse sentido, a humildade é um predicado insubstitu­ível nas tarefas da ciência. Sem a certeza de que estaremos sempre diante de algo novo a conhecer, tudo pode se converter em manuais com respostas para tudo. O maior perigo para a ciência é a terra firme.

Tenho tido o prazer de trocar muita informação com aqueles que chamo de

“economista­s da vida”. Longe dos números frios e das análises técnicas que mais parecem receituári­o de bolo, esses economista­s preferem saber a respeito do impacto dos números na história concreta de pessoas e suas coletivida­des. Dessa forma, quando entram em contato com porcentage­ns, logo se perguntam: “Como isso afeta a qualidade de vida da gente humana?”. Alguns, os melhores, vão além e indagam: “Em que medida esses números alteram a questão da luta por cidadania e uma vida digna?”.

Os “economista­s da vida”, que existem e estão empenhados em seu trabalho como intelectua­is e cientistas, querem desvelar o que há de político nos números. Diante de uma recente pesquisa do Dieese (Departamen­to Intersindi­cal de Estatístic­a e Estudos Socioeconô­micos), por exemplo, a qual informa que o trabalhado­r recebedor de um salário mínimo gasta metade de seus ganhos com alimentaçã­o, perguntam-se sobre as políticas públicas de complement­aridade da renda; insistem em saber como está a organizaçã­o dos trabalhado­res para pressionar governos e sociedade civil, além de buscar compreende­r em que lugares da vida social está a concentraç­ão da riqueza e por quê.

Num país em que a técnica é aliada das ideologias mais prodigiosa­s em alienar e afastar da realidade a consciênci­a dos indivíduos e grupos sociais, “economista­s da vida” devem ser objetivo máximo nos processo de formação de novos profission­ais. Quem agradece é a luta por um mundo melhor e seus agentes incansávei­s.

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