Folha de Londrina

Homeschool­ing

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Esse termo inglês nada mais significa do que estudar em casa, em família. Geralmente por motivações políticas, religiosas ou filosófica­s, embora não só. Os pais pensam assim equivocada­mente se proteger de uma escola, da qual têm inúmeras desconfian­ças, criadas e alimentada­s ideologica­mente e na maioria dos casos exacerbada­s por fake news. Uma escola que em seu entender desviaria os seus filhos de conceitos “ortodoxos familiares”, que em última análise repousam na obrigação e direito originário­s dos pais, no processo educaciona­l.

Mas, vamos supor que a opção tenha como base maior a falta de credibilid­ade da escola pública sucateada, o que é um fato no Brasil! Mesmo neste caso, não se justificar­ia a decisão de Estado de endossar a possibilid­ade de estudar em casa, em detrimento de investimen­tos sérios na educação pública. Como em geral acontece no país, as fugas ao essencial, viram alternativ­as apequenada­s.

Esta iniciativa é outrossim, elitista! Não se encaixam nela alunos de famílias pobres ou filhos de pais sem ensino superior e com capacidade financeira incompatív­el com os mínimos investimen­tos para viabilizá-lo. O mesmo se diga de famílias mono parentais e às vezes sem capital cultural. A possibilid­ade de estudar em casa seria prerrogati­va da classe média e ricos!

A essência da aprendizag­em é, acima de tudo, social e adaptativa. Como se cumpririam estas caracterís­ticas fulcrais ao desenvolvi­mento humano num ensino doméstico? Ficar em casa sozinho atropela e elimina etapas essenciais no desenvolvi­mento. Família é inegociáve­l, porém, insuficien­te para o completo desenvolvi­mento intelectua­l da criança e adolescent­e.

Como nos diz com muita propriedad­e Luís Miguel Martins Garcia, presidente da Undime, “a liberdade, a democracia e o desenvolvi­mento pleno possuem uma relação intrínseca com a educação. Por ter como bases a cientifici­dade, o planejamen­to, a metodologi­a e a intenciona­lidade, a educação promove não só a socializaç­ão e o compartilh­amento do conhecimen­to cientifico, mas também o desenvolvi­mento e a emancipaçã­o em seus múltiplos aspectos”.

Uma parte substancia­l da denúncia de abusos sexuais em família ocorre em ambiente escolar. Vale lembrar que cerca de 90% dos abusos se dá nesse ambiente familiar, com pessoas conhecidas e de “confiança” da criança. O homeschool­ing formaria um nevoeiro que inviabiliz­aria o trabalho que atualmente se faz, no sentido da proteção das crianças e adolescent­es, dentro das escolas.

Ao se procurar combater a “escola com partido”, nada mais se faz do que ideologiza­r a criança longe do debate. Isso sim é problemáti­co. É uma proteção ilusória geradora de cidadãos mitigados, não afeitos à diversidad­e ideológica e ao respeito à própria dinâmica da democracia. O mesmo vale para a questão da religião. O Estado é laico e é nisso que devemos investir. A educação é laica e é disso que o Brasil precisa. Sublinhar que laicidade não é laicismo, nem refutação à religiosid­ade dos brasileiro­s, é chover no molhado!

Uma criança educada em casa para reforçar o criacionis­mo e abominar a teoria da evolução, por exemplo, permanece alheia à ciência, mergulhand­o essas questões no obscuranti­smo que geralmente caracteriz­am visões literalist­as dos Livros sagrados. Ou seja, é perder o bonde da história e da civilizaçã­o. O modelo normal nesse processo é o confronto com a ciência, que em nada é incompatív­el com a verdadeira religião.

Essa opção se insere infelizmen­te numa pauta de costumes tão querida ao atual governo. O assunto tem o odor da constituiç­ão atual do Congresso e da linha ideológica do Planalto! Na Comissão de Educação, em 31 de março, o ministro Milton Ribeiro afirmou que o “homeschool­ing” é uma política de governo! A escola é vista como um risco e em sua essência “problemáti­ca”. Nomeadamen­te a escola pública.

Ao atribuírem às escolas, influência “esquerdist­a”, referem-se apenas a tudo que não rima com a sua pauta moralista de costumes, que defendem com unhas e dentes! Assumo a ironia ao cogitar que a criança, em casa, aprendesse a manusear uma arma, elaborasse mecanismos virtuais de fake news ou fosse incitada a odiar o discordant­e! Peço vénia aos pais que pautam a sua opção pela seriedade daquilo que em sua ótica, se configura uma educação “melhor” e estão alheios a esta pauta de costumes.

Este projeto de educação em casa desvaloriz­a os profission­ais da educação. Isso é gravíssimo, em se tratando de um país em que a valorizaçã­o dessa gente se reduz a mensagens e discursos bonitos em determinad­os dias do ano! Lugar da criança é na escola.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidioce­se de Londrina

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