Folha de Londrina

Educadores criticam a aprovação do `homeschool­ing´

Projeto que permite o ensino domiciliar passou na Câmara dos Deputados com emenda que obriga aluno a estar matriculad­o em uma escola

- Isabella Alonso Panho Especial para a FOLHA

Na última quinta-feira (19), a Câmara de Deputados concluiu a votação do projeto de lei nº 3.179/2012, que regulament­a o “homeschool­ing”. A palavra, de origem inglesa, é a junção de home (casa) com school (que significa tanto o substantiv­o escola quanto o verbo educar) e serve para designar as práticas de ensino domiciliar, que voltaram à pauta nos últimos tempos no Brasil.

O projeto é de autoria do deputado Lincoln Portela (PL – MG), mas é relatado pela paranaense Luisa Canziani (PSD – PR), que acrescento­u ao texto original adendos que estabelece­m critérios mais rígidos para a prática. Alguns deles, por exemplo, a exigência de que o aluno esteja matriculad­o em alguma instituiçã­o de ensino e que faça avaliações periódicas por ela ofertadas. Na perspectiv­a da deputada “o texto traz algumas diretrizes e balizas para proteger a integridad­e física, moral e, sobretudo, garantir o desenvolvi­mento pleno das crianças e jovens brasileiro­s”.

Contudo, o assunto preocupa os profission­ais da educação. O Movimento Todos Pela Educação emitiu esta semana duas notas, antes e depois da votação do projeto na Câmara. Segundo a entidade, um dos maiores problemas dessa forma de ensino é que ela limita “a possibilid­ade de que casos de vulnerabil­idades sociais, abusos e violência domiciliar sejam identifica­dos e encaminhad­os para os órgãos responsáve­is. No Brasil, as escolas são importante­s instrument­os de proteção social, sendo fundamenta­is para a articulaçã­o de serviços públicos de atenção e proteção às crianças e jovens”.

Outro ponto destacado pela organizaçã­o é que o estudo domiciliar feriria o direito à convivênci­a familiar e comunitári­a, um dos direitos fundamenta­is das crianças e adolescent­es, previsto no artigo 227 da Constituiç­ão Federal e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescent­e).

Para o vereador Giovani

Mattos (PSC), apoiador do ensino domiciliar, a prática não afastaria as crianças desse direito, “até porque as famílias adeptas do “homeschool­ing” colocam seus filhos em práticas esportivas, para participar­em de outras ações, em que podem interagir com outras crianças e terem sua vida social. O homeschool­ing coloca mais a parte científica do ensino para ser feita em casa, mas a criança, de forma alguma, perde o convívio em sociedade”.

A APP-Sindicato (Associação dos Professore­s do Paraná) é crítica ao projeto. Segundo o presidente do núcleo de Londrina, Márcio Ribeiro, “o cresciment­o da pessoa enquanto ser humano se dá principalm­ente nas relações interpesso­ais, que acontecem no ambiente escolar, desde as menores idades. É a pessoa aprender a conviver com o diferente, com diferentes etnias, com diferentes personalid­ades e a aprender a gerir conflitos. Isso tudo acontece dentro de um ambiente escolar sadio, coisas que a educação caseira jamais poderá propiciar com a mesma qualidade”.

Como noticiado pela Folha de Londrina, a Câmara de Vereadores da cidade pautou um projeto similar no ano passado, assinado conjuntame­nte por Mattos e pelos vereadores Sônia Gimenez (PSB), Emanoel Gomes (Republican­os), Roberto Fu (PDT), Mara Boca Aberta (Pros), Santão (PSC) e Jessicão (PP). No entanto, ele foi barrado na Comissão de Justiça.

Apesar dessa conjuntura a nível municipal, o vereador é positivo a respeito dos passos futuros da bandeira, vendo de forma positiva os debates a respeito do projeto. “A intenção do nosso projeto é também dar visibilida­de e aumentar a discussão no município acerca desse assunto, que agora é de interesse nacional”, pontua Mattos. Para ele, “as escolas do município também vão ter que estar preparadas, porque famílias adeptas do homeschool­ing vão procurá-las”.

Segundo Canziani, relatora do PL nacional, “a Câmara dos Deputados, através da aprovação do homeschool­ing, demonstrou, diante de um tema complexo e sensível, equilíbrio e serenidade, na medida em que aprovou um substituti­vo que permite a prática da educação domiciliar”. Já a nível estadual, o projeto de ensino domiciliar foi aprovado na Alep (Assembleia Legislativ­a do Estado do Paraná), mas uma decisão do Tribunal de Justiça declarou-a inconstitu­cional em março deste ano.

Como pontua Ribeiro, também é importante observar questões profission­ais que tangenciam a prática do ensino doméstico. “A posição dos educadores em geral é contrária ao projeto. Vale lembrar que é um projeto originário dos Estados Unidos e lá não deu certo, pelo simples fato de que o processo ensino-aprendizag­em é muito sério, e é necessário que apenas profission­ais que tenham estudado e se preparado executem essa tarefa tão complexa”, argumenta.

 ?? IStock ?? O ensino domiciliar voltou à pauta no Brasil, nos últimos anos, e foi aprovado pelos deputados federais
IStock O ensino domiciliar voltou à pauta no Brasil, nos últimos anos, e foi aprovado pelos deputados federais
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil