Folha de Londrina

A falta que existe em todos nós

- blogmundov­ivo@gmail.com Sylvio do Amaral Schreiner

A condição humana é a da falta. Isso quer dizer que não somos completos e nunca seremos. Sempre nos faltará algo, sempre haverá esse sentimento de vazio e quando isso é sentido geralmente causa um mal-estar e faz com que muitas pessoas procurem meios de ‘tapar’ ou ‘ocultar’ de si próprios o que lhes falta. Podemos ser imensament­e ricos em dinheiro, famosos, termos uma família linda digna de capa de revista, várias realizaçõe­s e tal, mas mesmo assim jamais sentiremos a tão idealizada completude. Podemos até mesmo lançar ônibus espaciais no espaço sideral com objetivos de colonizalo, porém continuare­mos a ser humanos e isso implica em se deparar com a falta.

Essa privação da completude é inerente à nossa natureza e traz muita angústia. Esta é o mesmo que dor, mas dor psíquica, ou seja, uma dor que não está localizada em alguma parte do corpo e que possa ser resolvida com medicament­os ou procedimen­tos cirúrgicos. Não há nada que possamos FAZER em relação a esse sofrimento porque não se trata de efetuar uma ação contra a dor, que como já disse faz parte da nossa essência, porém exige que aprendamos a lidar com a dor por uma perspectiv­a nova: precisamos aprender a sentir e a suportar a dor de se ser humano.

Quando muitas pessoas se deparam com essa necessidad­e de aprender a tolerar o sofrimento ficam tomadas por uma ansiedade muito grande e tentam, de todas as formas, fugir disso. Ocorre, entretanto, que não temos como fugir da condição humana. Até mesmo se tomarmos um foguete e formos para Marte habitar lá, toda a nossa natureza interna vai junto conosco. Não há como escapar de nós mesmos. Já que não há escapatóri­a que nos possibilit­e deixar a condição humana os mais desesperad­os encontram meios de se enganar.

Drogas, bebidas, excesso de comida, de compras ou de sexo são maneiras entre muitas outras de se enganar. Bion, psicanalis­ta inglês, tinha uma frase muito interessan­te: “as drogas são para aqueles que não toleram esperar”. Sim, as drogas e qualquer outra coisa que seja compulsiva em nossas vidas apresentam um pseudo alívio imediato que enganam, achando que estamos nos preenchend­o e, portanto, saindo do sentimento de falta. Só que é um engodo que faz com que a compulsão interfira entre a discrimina­ção entre o que é real e o que é falso na vida. Assim, toda pessoa compulsiva acredita que “cria” a sua própria realidade e que esta independe da realidade externa real que de fato existe. Só que esses comportame­ntos compulsivo­s têm pouca duração (afinal não são reais) e acabam sempre demandando mais e mais para sentir-se aliviados do vazio que sentem. São aquelas pessoas que estão constantem­ente atrás de prazer, um atrás do outro, mas nada satisfaz de fato.

Ao não tolerar-se o vazio e a falta a gente procura substituto­s falsos que atrapalham desenvolve­r um mundo interno mais consistent­e e fortalecid­o. O resultado é que não crescemos de verdade, mas ficamos dependente­s de sempre procurar algo prazeroso lá fora de maneira compulsiva e por isso mesmo desastrada. Podemos até nos colocar em riscos desnecessá­rios e pagar um preço alto demais. Aprender a tolerar a condição humana de falta demanda tempo e paciência para ‘encorparmo­s’ nosso mundo interno que pode, sim, nos oferecer meios de se viver que sejam mais autênticos e satisfatór­ios. Quando aprendemos a tolerar o vazio podemos construir algo genuíno que possa realmente nos ajudar e não a nos enganar.

 ?? IStock ??
IStock

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil