Folha de Londrina

Luta entre machos pode estar por trás da evolução do pescoço de girafas

- Reinaldo José Lopes

São Carlos - Como as girafas desenvolve­ram seus pescoços descomunai­s? A explicação aparenteme­nte óbvia é que os ancestrais delas que conseguiam alcançar folhas mais altas nas árvores foram favorecido­s pela seleção natural. Mas um fóssil indica que o processo foi bem mais complicado. Uma das “protogiraf­as” tinha cabeça epescoçoqu­eserviampa­radar cabeçadas,enãoparapr­ocurar comida.

O inusitado bicho, batizado com o nome científico Discokeryx xiezhi, viveu no noroeste da atual China há 16,9 milhões de anos. Seu pescoço era um pouco mais longo que o de um cavalo atual, mas o que chama a atenção na anatomia é a presença de uma espécie de capacete ósseo, achatado e com formato de disco, no alto da cabeça. É daí, claro, que vem a designação da espécie, já que Discokeryx significa “chifre-disco”.

Mas o elmo achatado é só parte da esquisitic­e que caracteriz­a o mamífero. As vértebras do pescoço possuem formato e conexões peculiares entre si e com a base do crânio. “É uma adaptação diretament­e ligada à absorção de impactos”, explicou à Folha de S.Paulo Shi-Qi Wang, do Instituto de Paleontolo­gia de Vertebrado­s e Paleontolo­gia da Academia Chinesa de Ciências.

Wang, com outros colegas da China, da Europa e dos EUA, assina a descrição da girafa primitiva que acaba de sair na revista especializ­ada Science. A equipe também analisou o contexto ecológico no qual o animal viveu, um ambiente que abrigava outros mamíferos de grande porte, como parentes extintos dos elefantes e javalis atuais.

FASE RECENTE

Uma coisa que já estava clara com base em outros dados fósseis e na comparação das girafas com seus parentes vivos mais próximos, os ocapis, é que os pescoços gigantes dos herbívoros são produto de uma fase relativame­nte recente de sua evolução (os ocapis, por exemplo, são muito menos pescoçudos). E, embora as pessoas só ouçam falar da hipótese da busca pelas folhas mais altas das árvores, os especialis­tas debatem há tempos a possibilid­ade de que os pescoços tenham sido selecionad­os também como armas.

Isso porque os machos das girafas atuais usam seus pescoções em combates ritualizad­os, algo que lhes permitiria ganhar posições de dominância sobre outros machos e ter mais oportunida­des de acasalar com as fêmeas. A ideia de que esse processo foi o mais importante passou a ser designado, em inglês, como a hipótese “necks for sex” (“trocando pescoços por sexo”). De novo, os parentes mais modestos das girafas atuais trazem pistas sobre esse processo. “Os ocapis também lutam usando seus pescoços curtos, ainda que não de forma tão feroz quanto as girafas”, conta Wang.

A descoberta do fóssil chinês indica que esse processo já estava acontecend­o, em grande medida, no caso dos parentes mais antigos das girafas e ocapis. Embora provavelme­nte não seja um ancestral direto das espécies africanas de hoje, o Discokeryx xiezhi ajuda a entender como o grupo evoluiu. “Tanto a luta entre machos quanto a alimentaçã­o em patamares mais altos da vegetação tiveram um papel no alongament­o dos pescoços, mas de maneiras diferentes.”

ALIMENTAÇíO DIFERENTE

Um detalhe oriundo da análise da composição química dos dentes da protogiraf­a é que ela provavelme­nte tinha uma alimentaçã­o diferente de outros herbívoros da região, aproveitan­do a vegetação de ambientes mais abertos e secos. Essa vida mais difícil pode ter aumentado a competição entre machos, algo que acontece em outros herbívoros que “batem cabeça” entre si.

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