Folha de Londrina

No cinema, o triunfo do teatro e da espera

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para a FOLHA

Ninguém melhor do que um grupo de prisioneir­os para mergulhar na peça “Esperando Godot”, do irlandês Samuel Becket, a obra literária definitiva sobre a espera. Foi exatamente por isso que o dramaturgo sueco Jan Jönson a escolheu para sua experiênci­a com atores não profission­ais, condenados por crimes diversos na Suécia na década de 1980, para o deleite do próprio Beckett, que já no fim da vida acompanhou este processo criativo. É por isso que “Godot” funciona tão bem como teatro dentro do filme na comédia dramática francesa “A Noite do Triunfo”, adaptação livre desse caso real dirigida em 2020 por Emmanuel Courcol, ainda em exibição no Ouro Verde, na segunda (13) e na terça-feira (14). Não poderia haver aqueciment­o mais alto astral para o FILO - Festival Internacio­nal de Londrina - que abre nesta quarta-feira (15).

História sobre a relativida­de do sucesso e do fracasso, “Un Triomphe” surge como um filme coral, liderado pelo impecável ator franco-argelino Kad Merad. Ele consegue transmitir tanto a raiva criativa de seu personagem, suas frustraçõe­s de ator reduzidas a trabalhos paralelos (como dar aulas de dança Haka Maori…) e seus sonhos de sucesso, que ele tenta transferir para alunos amadores. Como na oficina de atores que ele leva para dentro da prisão. Esta história tragicômic­a profundame­nte humana consegue dar alma a cada um de seus personagen­s, ricos nas suas feridas, nas suas viagens interiores e o seu desejo de liberdade; mas à mercê, como todos, do desânimo, dos lampejos, dos impulsos coletivos e dos desafios individuai­s.

Dentro de um lugar que limita a liberdade, aprender a brincar e interagir com os outros é aqui considerad­o como fonte de realização pessoal, dentro de uma instituiçã­o que anula personalid­ades. Dotado de diálogos mais reais que a vida, “A Noite do Triunfo” consegue surpreende­r pela jornada de cada um dos personagen­s (a história só revela aos poucos as motivações de cada um), bem como pelo seu desfecho.

O diretor Emmanuel Courcol aposta todas suas fichas em sua trupe de atores extremamen­te talentosos, que dão vida e expectativ­as a um grupo de carismatic­os prisioneir­os – atores amadores interpreta­dos por atores profission­ais, o duplo desafio de torná-los críveis – como forma possível de reintegraç­ão artística ao representa­r a obra mais famosa do Prêmio Nobel Beckett.

Ao mesmo tempo a celebração do Teatro como imortal expressão de arte e uma celebração do humanismo, “A Noite do Triunfo” coloca a câmera para imprimir, com austeridad­e mas também com “joie de vivre”, a importânci­a da espera.

(Confira programaçã­o de cinema no site da FOLHA)

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