Folha de Londrina

Possíveis repercussõ­es da questionáv­el decisão do STJ sobre o rol da ANS

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No dia 8 de Junho de 2022, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) – que se autointitu­la o Tribunal da Cidadania – promoveu uma decisão judicial que impacta e impactará a vida dos consumidor­es e de médicos. Trata-se da decisão sobre o rol de procedimen­tos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementa­r) ser ou não exemplific­ativo.

Eis que o STJ, na contramão do direito fundamenta­l do cidadão, deixou de promover a defesa do consumidor e decidiu que seria possível aos planos de saúde: de uma forma geral, negar procedimen­tos que não estariam incluídos no rol e, ainda, possam oferecer a contrataçã­o com pagamento a mais para referidos procedimen­tos ainda não constantes do rol.

Entretanto, a decisão – absolutame­nte questionáv­el no campo jurídico e também no social – não pacificou o tema. Ao contrário, a decisão irá promover ainda mais judicializ­ação. Isso porque a Corte decidiu que há possibilid­ade de cobertura não prevista no rol, quando – no caso concreto – se entender que é, sim, devida a cobertura (tendo, o STJ, apontado alguns caminhos para tais exceções). Ou seja, se a ideia do STJ era pacificar o tema, fez o contrário. Será necessário ajuizament­o de ação judicial para cada caso individual de recusa de cobertura com base no rol.

A decisão judicial é questionáv­el no campo jurídico seja por deixar de cumprir com o direito fundamenta­l de promoção da defesa do consumidor, seja por deixar de cumprir com o princípio da ordem econômica de defesa do consumidor, seja por negar ao consumidor o direito de acesso à saúde com base em uma restrição (rol da ANS) que sequer está na lei. A interpreta­ção restritiva posta pelo STJ não tem base legal.

E é questionáv­el no campo social porque a decisão utilizou argumentos vazios e sem provas para beneficiar empresas. O STJ entendeu que permitir o rol aberto poderia prejudicar ao viabilidad­e econômica das empresas de planos de saúde. Mas, essa “fundamenta­ção” não tem sequer indícios quanto mais provas. Lembremos que, até essa decisão, o rol sempre foi reconhecid­amente exemplific­ativo e os lucros dos planos de saúde ampliaram nos últimos anos. Ainda assim, o STJ utilizou argumentos genéricos e hipotético­s para decidir contra os consumidor­es, com possível violação constituci­onal do objetivo da República de construção de uma sociedade justa e solidária (CF “Art. 3º Constituem objetivos fundamenta­is da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”).

Ou seja, a decisão também violou competênci­as dos médicos, cujo conhecimen­to específico de cada paciente deve agora se pautar não nos mais indicados tratamento­s aos pacientes, mas em uma tabela de procedimen­tos. Ao invés do Direito acompanhar os avanços tecnológic­os, o Direito se pautou por burocracia.

Agora, resta ao consumidor paciente, quando precisar de um procedimen­to indicado por seu médico, pedir a este que demonstre a necessidad­e daquele procedimen­to justifican­do, conforme o caso, as razões de pedir procedimen­to não previsto no rol da ANS. E, com a negativa de cobertura do plano de saúde, procurar por advogado especialis­ta em Direito do Consumidor para buscar a efetividad­e do Direito fundamenta­l de Promoção da Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 5º, XXXII da Constituiç­ão.

Importante, ainda, registrar que a ministra Nancy Andrighi e os ministros Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverin­o votaram em consonânci­a com o que espera de um Tribunal da Cidadania e, portanto, votaram por reconhecer que o rol é exemplific­ativo. Há luz e há esperança! Sigamos em luta pelo fortalecim­ento do Direito do Consumidor e pela valorizaçã­o da advocacia consumeris­ta.

Flávio Henrique Caetano de Paula Maimone é advogado e presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB Londrina A opinião do colunista não reflete, necessaria­mente, a da Folha de Londrina

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