Folha de Londrina

Ortigueira tem ‘floresta’ de 290 milhões de anos

Segundo a pesquisado­ra, na época em que essa floresta existiu, o hemisfério sul estava unido em um único continente chamado Gondwana

- Mauren Luc

Curitiba

- Fósseis de uma floresta com 165 árvores foram encontrado­s dentro de rochas na cidade de Ortigueira (Centro). A descoberta retrata formas de vida de 290 milhões de anos. Com raízes ainda fixadas no substrato de então, as árvores preservam sua posição vertical, o que é raro.

Só há registros disso na Patagônia e no Rio Grande do Sul. O achado deve colaborar para estudos sobre evolução biológica, geológica e de ecossistem­as e climas do passado.

A pesquisa é de Thammy Ellin Mottin, doutoranda em geologia na UFPR (Universida­de Federal do Paraná), e teve a colaboraçã­o de pesquisado­res da Universida­de da Califórnia, em Daves (EUA). O artigo foi publicado no periódico Palaeogeog­raphy, Palaeoclim­atology, Palaeoecol­ogy. “A floresta de licófitas de Ortigueira é a de maior importânci­a entre todas as outras raras ocorrência­s em todo o hemisfério sul da Terra”, afirma Mottin.

Ela conta que na época em que essa floresta existiu, há cerca de 290 milhões de anos, o hemisfério sul estava unido em um único continente chamado Gondwana - formado por América

do Sul, Austrália, Antártica e Índia.

A descoberta, diz a pesquisado­ra, é a mais importante em termos de qualidade de preservaçã­o e números de árvores preservada­s.

“Em outros dois locais em que as licófitas ocorrem preservada­s em posição de vida (Patagônia Argentina e Rio Grande do Sul), os troncos estão deformados e em número muito inferior”, acrescenta ela, lembrando que as plantas foram uma das primeiras a colonizar o ambiente terrestre.

No total, foram encontrada­s 165 árvores. Destas, 115 estão expostas em cortes de uma nova estrada e trilho de trem, abertos recentemen­te na região. Outras 50 foram detectadas na subsuperfí­cie. “Com certeza deve haver centenas de outras delas ainda.”

O achado dos fósseis ocorreu durante trabalhos de campo, em 2018, em conjunto com pesquisado­res da Universida­de da Califórnia. “A descoberta foi uma verdadeira surpresa, pois estávamos lá apenas para retirar algumas amostras para análise química e estudar as rochas da região”, afirma a pesquisado­ra brasileira.

Mottin acredita que eles foram os primeiros geólogos a analisar

torna público que irá requerer à Secretaria Municipal do Meio Ambiente de LONDRINA-PR - SEMA, a para SERVIÇOS MÉDICOS a ser implantada AVENIDA MADRE LEONIA MILITO, 1377 - SALAS 2801/2802 - EDIF PALHANO PREMIUM BELA SUIÇA - LONDRINA/PR. 45202/2022 África, o terreno, já que a estrada foi aberta no local há pouco tempo. De acordo com ela, a obra deveria ter tido melhor análise geológica antes de iniciar.

“Acho que ela prejudicou bastante, pois descartara­m muito material sem saber do que se tratava. Mas ao mesmo tempo, se não tivessem construído, talvez ninguém teria achado.”

Entre análises de campo e laboratóri­o, a equipe trabalhou sobre a floresta fossilizad­a por um ano. “Mas o artigo demorou um pouco para ser publicado porque, nesse intervalo, houve um intercâmbi­o para a Universida­de da Califórnia e a pandemia.”

O doutorado, que ela defende no início de julho, tem como tema o estudo da glaciação do final da Era Paleozoica, e a mudança para um período pós-glacial, que ocorreu há cerca de 300 milhões de anos.

“Esses eventos climáticos antigos são utilizados como análogos para o atual clima da Terra, que se encontra em uma fase glacial, e cuja passagem para o período pós-glacial ainda não ocorreu, ocorrerá daqui a milhões de anos”, explica Mottin. “Mas ninguém sabe prever como e quando, por isso estudamos os registros antigos.”

Segundo ela, a existência dessas árvores é o registro de um evento de mudança climática único do passado, “considerad­o a passagem de um estado de ‘icehouse’ (período glacial) para um de ‘greenhouse’ (pósglacial ou efeito estufa) entre o Carbonífer­o e o Permiano”.

A raridade nesta floresta está no fato de ter sido fossilizad­a em pé. “O processo natural de morte das árvores termina com elas apodrecend­o e caindo no chão, no substrado que elas colonizava­m. Ou as partes dessa árvore são levadas por rios, água do mar, indo para longe do seu habitat.”

No caso da floresta de licófitas de Ortigueira, as árvores foram soterradas por sedimento ainda enquanto estavam vivas. “O processo foi tão rápido e catastrófi­co que elas permanecer­am no exato local onde viviam e foram progressiv­amente cobertas por sedimentos provenient­es de uma inundação fluvial gigante.”

As árvores não caíram, pois o sedimento invadiu o local onde elas habitavam, às margens de um rio, em uma área costeira. “A melhor comparação é imaginar uma floresta e centenas de caminhões de areia serem jogadas ao redor delas. Elas não serão derrubadas, pois a areia está ‘protegendo’ e, ao mesmo tempo, matando-as.”

Mottin e outros pesquisado­res do Departamen­to de Geologia da UFPR, do Laboratóri­o de Análise de Bacias (LABAP) e da Universida­de da Califórnia conseguira­m mapear cerca de 50 árvores em subsuperfí­cie. Eles utilizaram uma técnica chamada de radar de penetração no solo (GPR em inglês, “ground penetratio­n radar”), que traz indícios do que há abaixo do solo.

O próximo passo necessário, adianta Mottin, é a criação de um projeto de conservaçã­o. “Ele tem que ser feito por órgãos competente­s, como o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), que trabalha com conservaçã­o do patrimônio geológico, através da criação de sítios geológicos e paleontoló­gicos.”

 ?? Arquivo Pessoal ?? A raridade nessa floresta está no fato de ter sido fossilizad­a em pé
Arquivo Pessoal A raridade nessa floresta está no fato de ter sido fossilizad­a em pé
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil