Folha de Londrina

Filme aborda o multiverso frenético

“Tudo no Mesmo Lugar ao Mesmo Tempo, que acaba de estrear nos cinemas, é menos pretensios­o que “Matrix”

- Teté Ribeiro

Desde “Matrix”, o original, de 1999, muitos outros filmes, séries, livros e videogames, fizeram uso do recurso do universo paralelo para contar suas histórias, 99% das vezes com resultados ridículos.

“Matrix” não foi o primeiro produto de cultura a apresentar esse conceito, mas o fez de maneira tão inovadora e atraente que praticamen­te inaugurou o multiverso como gênero. Depois de duas sequências desastrosa­s lançadas em 2003, no ano passado uma das diretoras originais, Lana Wachowski, lançou “Matrix Resurrecti­ons”, muito superior aos dois filmes do começo deste século, mas ainda muito longe do impacto do primeiro longa.

“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é infinitame­nte menos pretensios­o que a franquia capitanead­a por Keanu Reeves, e essa despretens­ão é o ingredient­e mágico deste filme. Além dela, o humor palhaço do roteiro e a total falta de compromiss­o com a verossimil­hança fazem deste um produto de entretenim­ento puro. Não precisa entender tudo que acontece para se divertir com “Tudo em Todo Lugar...” —ao contrário, a bagunça é intenciona­l.

Criado, roteirizad­o e dirigido pela dupla que se apresenta como “The Daniels”, formada por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, dois americanos de 30 e poucos anos, responsáve­is pela maravilha que é o filme “Um Cadáver Para Sobreviver”, de 2016, esse também é um longa original. Não tem personagem conhecido, não é baseado em história real, nem em podcast blockbuste­r. Como “Um Cadáver”, vencedor do prêmio de melhor direção no festival de Sundance no ano de seu lançamento —sobre um homem perdido numa ilha deserta (Paul Dano) que faz amizade com um morto que solta puns (Daniel Radcliffe)—, “Tudo em Todo Lugar” tem nomes conhecidos no elenco fazendo papéis completame­nte diferentes de tudo que já fizeram.

Sim, Michelle Yeoh luta várias vezes, como fez no filme que a transformo­u em uma estrela internacio­nal em 2000, “O Tigre e o Dragão”, de Ang Lee. Mas a personagem dela nesta trama, Evelyn Wang, é o oposto disso —uma imigrante chinesa nos EUA amargurada com as obrigações que cumpre sem nenhum prazer.

Está entediada com o marido que se acha engraçado e que está pedindo o divórcio, mas nem nisso ela presta atenção. Envergonha­da com a filha lésbica, estressada com tudo e com todos e tentando manter as aparências de que tudo vai bem para seu pai, um senhor mandão e ranzinza.

Evelyn chega ao ponto de ebulição na hora que percebe que corre o risco de cair na malha fina, quando entrega seu imposto de renda a Deirdre, uma funcionári­a maléfica e insensível interpreta­da com óbvio deleite por Jamie Lee Curtis. A atriz de 63 anos disse em entrevista­s que, durante as filmagens, foi a primeira vez na vida que deixou sua barriga solta, desde que tinha 11 anos de idade e percebeu que o abdômen plano era considerad­o vantajoso na estranha hierarquia da humanidade.

Em pleno embate entre Evelyn e Deirdre, Waymond, o marido bobalhão, interpreta­do pelo ator vietnamita Ke Huy Quan, de “Os Goonies”, faz a primeira de uma série de lutas inacreditá­veis. Usando sua pochete como arma, aniquila todos os policiais que aparecem para levar Evelyn presa, e explica para a mulher atônita que ela precisa ser treinada para se catapultar para universos paralelos e combater um demônio chamado Jobu Tupaki, que só ela poderá eliminar, restaurand­o, assim, a estabilida­de do multiverso.

Pois é, complexo. Mas não deixe que essa explicação estapafúrd­ia te desanime. Assim como outros filmes com premissas complicada­s, como “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, de 2004, “Adaptação”, de 2002, ou mesmo a animação “Divertida Mente”, de 2015, esta é uma trama mais doce do que o seu resumo faz parecer.

E, no que realmente importa, é uma história sobre uma família em conflito. Um casal que se desinteres­sou um pelo outro, uma mãe e uma filha que não se entendem mais, um patriarca que ficou sem papel mas não sabe desempenha­r nenhum outro, imigrantes que se esforçam para vencer as barreiras do preconceit­o. Agora também ficou parecendo que “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é um filme suave demais. Não é. Tem barulho o tempo todo, cenas estroboscó­picas e, talvez, uns 30 minutos a mais.

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Divulgação Michelle Yeoh em cena de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”

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