Folha de Londrina

Modos de vida: encarar para mudar

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O filósofo Mario Sergio Cortella costuma afirmar que ninguém morre de fome ou frio. Morre-se, na verdade, de abandono. A ideia é simples: enquanto houver alguém que tenha um prato de comida ou um agasalho, a única justificat­iva para a morte antes do tempo é mesmo o abandono. Numa sociedade de hiperabund­ância, nada demonstra que seja uma carência considerad­a inevitável ou catastrófi­ca a razão de morte de quem quer que seja.

Somos, portanto, uma sociedade pouco coesa. Não se quer com isso imaginar que seria bom um amontoado de gente vivendo da mesma maneira, pensando as mesmas coisas, aceitando tudo de igual forma. Não se trata disso. “Pouco coesa” informa que não temos laços de solidaried­ade suficiente­s, que não nos vemos como irmãos ou, ao menos, sujeitos de um gênero humano que nos unifique e dê consistênc­ia ética e moral.

Seria fácil reproduzir a cantilena: o ser humano é naturalmen­te egoísta e competitiv­o; a sobrevivên­cia é tudo que lhe interessa; nada o atrai a não ser a riqueza e o poder etc. Isso, contudo, nada ajudaria no entendimen­to do que somos e por que fazemos o que fazemos. Para entender a razão pela qual nos desgarramo­s no meio do caminho e nos desinteres­samos uns dos outros, é preciso pensar a cultura que fabricamos e os modos de vida que adotamos. Nesse sentido, a reflexão exige muita paciência e um bom número de especulaçõ­es. Quem quiser respostas prontas, acaba comprando, via de regra, bobagens feitas às pressas para despistar e justificar tanta desigualda­de existente.

Vivemos numa sociedade cujo modelo de produção e reprodução é extremamen­te predatório, tanto do humano quanto da natureza. E, consciente­s ou não, valorizamo­s boa parte desse modelo de sociabilid­ade, acreditand­o que seja o único possível. É aí que entra a questão cultural: nos espaços que criam e recriam ideias sobre o modo como nos organizamo­s em grupo, como enaltecemo­s as qualidades de cada um e de todos. Precisamen­te, é isso que pede alteração para que alcancemos novos modos de vida, baseados em outros tipos de produção e reprodução.

Fabricamos mercadoria­s e oferecemos serviços sem limites. O pressupost­o é consumir o que vier pela frente – e quanto mais caro, melhor. Para ressignifi­car essa lógica, impedindo que ela seja quantitati­va e lhe incentivan­do aspectos qualitativ­os, precisamos definir um jeito de viver mais frugal, muito mais companheir­o das pessoas e amigo do meio ambiente. Parece uma fórmula banal, mas é tão poderosa quanto simples.

Um novo jeito de viver passa por uma renovada maneira de encarar o dom da existência. Num país onde 1 em cada 4 cidadãos alega não ter comida suficiente em casa, algo está muito errado com a vida e suas determinaç­ões. Ao mesmo tempo, um meio ambiente atacado e destruído todo dia também requer novos ares culturais, agraciados por ideias de justiça, bem comum e solidaried­ade. O caminho não está pronto, mas tem de ser percorrido.

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